Crónica de Um Caso Vulgar
I
Passou a sentir-se espiada nos seus mais insignificantes movimentos, sempre que se encontrava na sua presença. Os seus risos, os seus gestos, os temas das suas conversas, todas as suas acções e reacções, eram passadas a pente fino.
Aquele mês de Setembro estava a desenrolar-se de forma diferente. Ele, plácido, não deixava um só instante de a observar com insistência, aparentemente discreta, que por vezes era denunciada com o seu característico sorrisinho, turbulento, nos lábios, mãos enroscadas uma na outra, apoiando o queixo. Ela apercebia-se de que algo inédito se avizinhava. Nem por isso deixou de agir com a sua natural impulsividade e fulgor. O à vontade e confiança, eram robustos.
“Está um tomate a apodrecer no frigorífico”, disse-lhe. O ritual daqueles pequenos-almoços servidos pela uma hora da tarde na varanda, ritual atribulado por norma, não lhe trazia grande proveito. À Teresa, incomodava o cheiro das anchovas ou sardinhas de escabeche, enlatadas, que ele comia em simultâneo com o café com leite e o pão torrado barrado de compota. Justificava-se, ele, da necessidade de ingerir proteínas animais, em quantidade suficiente, na sua primeira refeição do dia. Tretas…
Teresa e António, quase sempre eram os primeiros a chegar à praia. Escolhiam o local mais isolado, com a enorme falésia nas suas costas, tão rentes ao mar quanto a maré o permitia. Espalhavam os guarda-sóis de forma a salvaguardar espaço para o grupo dos amigos que iria chegando por ordem inversa à dos mais dorminhocos. E lá apareciam todos eles, tarde dentro, alguns ainda ensonados. Esticavam na areia os seus corpos ao Sol quente e ainda pouco despertos tentavam relembrar detalhes da noitada anterior, manifestando cuidados, uns pelos outros, quanto ao estado de disposição de cada um no dia presente.
Desde o primeiro instante, Teresa sentiu que aquele Setembro ia ser distinto e mais marcante do que todos os Setembros anteriores. E assim foi...
(segue)
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