domingo, dezembro 10, 2006

Mulheres na Literatura



Reaprender o mundo
em prisma novo;
pequena bátega de sol a resolver-se
em cisne,
sereia harmonizando o universo

Só o vento sucumbe
à demais luz,
e só o vento,
como alaúde azul,
repete devagar os mesmos sons;

Não interessa onde estou,
não me faz falta um mapa
de viagem

Os teus dedos traçaram
ligeiríssima rota no meu corpo
e a curva topográfica
sem tempo
aí ficou, como sorriso, ou foz
de um rio sem nome
Não interessa onde estou:
esta linha de abetos ou pinheiros
que em declive se estende, branda,
leve, e se debruça em mar,
pode ser tudo

Pode mesmo ir buscar o cisne
ao verso acima
e colocá-lo aqui, sobre este verso,
agora,
ou desorganizar um terço
da sereia e transformá-la
em ilha resumida
de uma paz qualquer


Não interessa onde
Estou

Diz-se que os gregos
tinham cinco formas para falar
de amor.
Nós temos uma só, onde não cabe
o quase paradoxo
de que amor é tudo e que dele sabemos.
Nada mais

Era bom ter no verso
as formas todas, essas palavras todas
sempre à mão: pequeno dicionário
que soubesse de paisagens
de dentro: Que cores? Quantas
molduras?

Não resistir ao tempo

Não sei se os gregos tinham várias
formas para falar da morte,
nem mesmo sei se o amor
foi buscar alguma dessas formas
para se definir

Há literatura que fala do que está
a montante do amor,
mas não lhe está – eros, tanatos,
a sua ligação, o seu estar-
entre-estar

Mas tudo o que se sabe
repete-se em trajecto de sereia,
enigma de sereia
transmutada em cisne

Diz-me que só na morte
o cisne canta

Mas é preciso organizar o vento
de forma a que o seu passo
seja mais que azul

Peço ao vento algum som,
alguma imagem
que seja tão brilhante e deslumbrada
como estas que aqui estão
à minha frente

Mas não responde o vento,
implausível que é o seu falar

A rota que traçaste permanece,
embora, e o corpo
reconhece-lhe o toque
desses dedos

Onde fica o que está descrito
em verso
no meio de tudo isto?

Onde se escondem as palavras
todas?
Sei que preciso de uma forma nova,
que precisava de palavra nova
para a moldura, ou cor

Era essa aprendizagem
de um olhar
que me faltava agora

- sobra somente o sol
iluminando o sítio onde é inútil
o mapa de viagem
Tudo o resto: inventado
há mais de três mil anos,
por entre templos, degraus onde, sentados:
discípulos de ausente obediência

Recorro ao alaúde,
- mas só o verso fala
e me responde

Traços rimados, círculos
em fogo, fragmentos com que inundam
as palavras já escritas

Colo nelas o selo deste mar
e sonho que são estas as palavras.
Nesta manhã de sol,
olho-as assim,
sabendo-as de algum tempo,
quase templos sagrados em que pinto
o dia a cores,
que nem herdadas de mil gerações

Numa tradição nula de viagem,
são o único ponto
a resistir

Tudo o resto: invenção
mais que plasmada,
multiplicados séculos
por cem

Mais de quatro mil anos
sobre o tempo novo,
e nada novo abaixo
deste sol


Talvez só este
abismo.

Interrompo no mapa
o precipício?


No traço dos teus dedos
rota onde quase cabem: sereia,
o alaúde, o tempo,
nessa rota
- o suspendo


Ana Luísa Amaral

[in A Génese do Amor]

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