quarta-feira, julho 25, 2007

Poesia Africana



CHAGAS DE SALITRE

Olha-me este país a esboroar-se
em chagas de salitre
e os muros, negros, dos fortes
roidos pelo vegetar
da urina e do suor
a carne virgem mandada
cavar glórias e grandeza
do outro lado do mar.

Olha-me a história de um país perdido:
marés vazantes de gente amordaçada,
a ingénua tolerância aproveitada
em carne. Pergunta ao mar,
que é manso e afaga ainda
a mesma velha costa erosionada.

Olha-me as brutas construções quadradas:
embarcadouros, depósitos de gente.
Olha-me os rios renovados de cadáveres,
os rios turvos de espesso deslizar
dos braços e das mãos do meu país.

Olha-me as igrejas restauradas
sobre ruínas de propalada fé:
paredes brancas de um urgente brio
escondendo ferros de educar gentio.

Olha-me a noite herdada, nestes olhos
de um povo condenado a amassar-te o pão.
Olha-me amor, atenta podes ver
uma história de pedra a construir-se
sobre uma história morta a esboroar-se
em chagas de salitre.

RUY DUARTE de CARVALHO
(Santarém, Portugal, 1941-)
Radicado em Angola

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  • domingo, julho 01, 2007

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo


    CARTA DUM CONTRATADO

    Eu queria escrever-te uma carta
    Amor,
    Uma carta que dissesse
    Deste anseio
    De te ver
    Deste receio
    De te perder
    Deste mais que bem querer que sinto
    Deste mal indefinido que me persegue
    Desta saudade a que vivo todo entregue...

    Eu queria escrever-te uma carta
    Amor,
    Uma carta de confidências íntimas,
    Uma carta de lembranças de ti,
    De ti
    Dos teus lábios vermelhos como tacula
    Dos teus cabelos negros como diloa
    Dos teus olhos doces como macongue
    Dos teus seios duros como maboque
    Do teu andar de onça
    E dos teus carinhos
    Que maiores não encontrei por aí...

    Eu queria escrever-te uma carta
    Amor,
    Que recordasse nossos dias na capopa
    Nossas noites perdidas no capim
    Que recordasse a sombra que nos caia dos jambos
    O luar que se coava das palmeiras sem fim
    Que recordasse a loucura
    Da nossa paixão
    E a amargura da nossa separação...

    Eu queria escrever-te uma carta
    Amor,
    Que a não lesses sem suspirar
    Que a escondesses de papai Bombo
    Que a sonegasses a mamãe Kiesa
    Que a relesses sem a frieza
    Do esquecimento
    Uma carta que em todo o Kilombo
    Outra a ela não tivesse merecimento...

    Eu queria escrever-te uma carta
    Amor,
    Uma carta que ta levasse o vento que passa
    Uma carta que os cajus e cafeeiros
    Que as hienas e palancas que os jacarés e bagres
    Pudessem entender
    Para que se o vento a perdesse no caminho
    Os bichos e plantas
    Compadecidos de nosso pungente sofrer
    De canto em canto
    De lamento em lamento
    De farfalhar em farfalhar
    Te levassem puras e quentes
    As palavras ardentes
    As palavras magoadas da minha carta
    Que eu queria escrever-te amor

    Eu queria escrever-te uma carta...

    Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender
    Por que é, por que é, por que é, meu bem
    Que tu não sabes ler
    E eu - Oh! Desespero! - não sei escrever também!

    António Jacinto

    Angola
    (Foto: Maputo)

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