«BIBLIOTECA APÁTICA»
«Não me tragam telegramas, recados ou flores.
Esqueçam-me nas esquinas das folhas lidas
e reinventem-me nas capas dos livros perdidos.
A biblioteca está fechada e as estantes imobilizam-se
na escuridão do seu aparente abandono,
ao som desesperado do seu inútil recolhimento.
Venham os doutores e seus educandos,
as pleîades incontáveis de potenciais leitores
contar-me dos arrepios, espantados, no madrugar
de um turbilhão indescortinável de apatias.
E confortem-me, no início de cada noite,
pela consciência do repetimento da sua solidão.
Abracem-me com uma página branca,
disposta a registar a poeira,
o calor de um dedo,
no recanto do milagre
que devolve a luz à palavra.»
José António Gonçalves
(in "Aventura na Casa dos Livros",
Colecção Cadernos Ilha, nº. 10,
Editorial Correio da Madeira, 2000)
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