quarta-feira, fevereiro 18, 2004

É uma injustiça, general

Ao ler um texto no Memorial do Convento sobre a efeméride da morte de Humberto Delgado, cheguei à conclusão do quanto o nosso país tem sido injusto perante um homem que marcou o passado recente de uma nação. Nasci depois do 25 de Abril de 1974, mas a figura daquele general sempre exerceu um enorme fascínio sobre a minha pessoa. Ele foi a génese, a semente da revolução dos cravos, ao ter a ousadia de abrir um precedente num regime marcado pela repressão do medo.

A campanha presidencial que liderou em 1958 possibilitou o despertar das mentes, a inversão do caminho inicialmente traçado sob a marca de algumas palavras novas: liberdade e ousadia. Principalmente estas, depois de ter estado nos Estados Unidos, ao serviço da NATO, onde tomou o conhecimento de novos ideais democratas e que podiam ser a pedrada no charco do Estado Novo. Prometeu demitir Salazar, desencadeou um frenesim tremendo nas massas populares e os seus comícios eram a marca visível de um povo descontente e amordaçado.

Aos poucos, foi assinando a sua sentença de morte. As eleições foram falseadas, perdeu-as ingloriamente, mas a maior vitória tinha sido alcançada durante a campanha eleitoral com o tal abanão das mentes, ao permitir o despertar das consciências. A partir daí, o país nunca mais foi o mesmo e a década de 60 acaba por ser marcada por constantes revoluções académicas e manifestações abafadas pela máquina da censura. Se Humberto Delgado não tivesse a coragem de ser o primeiro a dar o passo em frente, a revolução de Abril aconteceria anos mais tarde. Não tenho dúvidas.

Mas os homens de prestígio, mentores à distância dos cravos (alguns deles chegaram a exercer altos cargos políticos em tempos bem próximos), nunca tiveram a consciência do quanto o General Sem Medo foi importante na génese do processo democrático português. Há uns anos, Rosa Casaco, um dos cabecilhas do assassinato do general e procurado pelas autoridades do nosso país, deu-se ao luxo de dar uma entrevista ao Expresso, em Lisboa, passando impune pelo mal que fez. Isto é um desabafo. Outro: Delgado merecia, no mínimo, um feriado nacional.

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