sexta-feira, dezembro 12, 2003

Hoje precisei tanto de ti, e tu não estavas…

Sinto-me zonzo. Qualquer coisa estranha, como se tivesse habitado um outro corpo que me fizesse ter estado mais próximo de ti noutro tempo.
Eu, que me divido entre as palavras a mais, quando os silêncios dizem tudo, ou a insuficiência das palavras, quando elas não chegam para dizer o que sentimos, tenho medo das que me podem trair ou assustar-te/afastar-te, mas não consigo (ou não quero) controlá-las.
Vivemos cada vez mais emparedados em nós próprios, com o medo das palavras, porque há as nocturnas, ternas, sussurradas; e outras de metal, aguçadas e gélidas. E outras ainda, pensadas à velocidade do atropelo e pressa da euforia no momento, que não chegam sequer a ser ditas, porque o silêncio fala mais e melhor que qualquer palavra. Tudo isto se passou na nossa conversa. Foi uma viagem quase alucinada a uma velocidade estonteante, por onde trespassaram sentimentos como num batido de cocktail, mas muito saboroso.
Receio parecer-te um arrebatado que facilmente dispara em galope para um qualquer abismo, mas sinto uma vontade quase incontrolável de me abrir contigo até ao meu mais íntimo. Atiro-me para ti sem temor, por nada recear, ou movido pela carência e solidão destes tempos em que me julgava desistido.
Dormi mal durante o fim-de-semana, mas já há muito que o sono sem vir não tinha tão boa razão. Sinto ainda a tua voz a ressoar em mim, e fico quietinho à espera de novos sinais.
Fico parado a olhar para o computador. Ele a exigir palavras e eu a tentar o jorro das que me querem sair aos borbotões, como um vulcão a entrar em actividade ao fim de muito tempo. Como se só agora encontrasse o vale para o eco de mim. Na pressa de dizer tudo, mas com medo do que possa dizer.
Reparto-te entre o prazer do platonismo, da troca de palavras através desta nova tecnologia, com um teclado de permeio, e o desejo, quase incontrolável, quase fúria, de sentir a chama de um olhar; o toque desenhado de umas mãos; o veludo de uns lábios; o aconchego dum abraço, quase casa; o abandono ao fim duma longa caminhada. E tudo me leva para ti, para essa voz que me encheu como a onda que inunda a gruta vazia do rochedo.
Não é literário. Receio mesmo que, não me conhecendo, possas pensar ser uma enorme leviandade. Eu próprio não percebo o que se está a passar. Dum modo geral sou cauteloso e até reservado. Os bofetões que se vão levando, aconselham-nos a isso. Só que, contigo, sinto que não estou ameaçado, nem devasso.
Peço-te, não te assustes, mas deixa-me reproduzir-te um poema:
«- Conheces a casa?
- Pelos cheiros e pelos ruídos, pela sombra nas paredes a certas horas, uma jarra de rosas sobre a mesa, e a Primavera no quintal com o perfume de terra e musgo e buxo e flores de limoeiro.»
Sinto tudo isto como se, ao “encontrar-te”, encontrasse a casa em que já morei sem ter morado.
Roubo as palavras a outro, mas não deixam de ser menos minhas por isso.

V.

(Junho/2001)

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