sexta-feira, janeiro 02, 2004

APENAS POESIA

«Hoje as calçadas amanheceram com o branco
da poesia a iluminar-lhes o orvalho da madrugada.
Alguém derramou um punhado desordenado de poemas
sobre as pedras nuas dos caminhos e dos becos da ilha;
os muros arrumaram-se em volta das rimas e dos versos livres
e as paredes de repente caiaram-se de palavras límpidas
como as penas dos gansos brincando no convés das ribeiras.

É o Dia do Sol espumando a água dos vulcões silenciosos
a invadir os cadernos alvos de apontamentos com as flores
e as estrelas dos poetas embalados pelas ondas do mar;
canta as ruas, as árvores e ama as casas, os velhos cansados
e as crianças que se escondem alvoroçadas entre as mãos da mãe;
assim procura viver as aventuras dos barcos, habitar as sombras,
acordar a solidão dos ventos, amainar o pulsar do coração dos homens.

Hoje é o dia de partir em busca das brisas suaves da primavera,
o momento de encantar as serpentes, de aplainar os socalcos das montanhas,
de aprender novos cânticos no murmurar dos riachos, na voz dos pássaros.
Hoje é o dia do louvor aos hinos, às hossanas, aos abraços de amigos
vencendo as agruras e os medos das distâncias, às cartas por escrever,
aos segredos bem guardados, ao respirar apressado do amor.
É hoje o dia. O resto dorme escondido nas entrelinhas, nas malhas da poesia.»

(José António Gonçalves - Poeta Madeirense)

(inédito, 14.03.03)

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