segunda-feira, maio 10, 2004

Reflexos da política do cimento

Em Matosinhos, a paredes meias com o Porto, as antigas fábricas de conservas transformaram-se em espaços convidativos para os toxicodependentes saciarem o seu vício diário. Os grandes armazéns estão abandonados, alguns deles só têm a fachada ao alto, o resto foi destruído e adormecido na terra batida à espera da aprovação de um novo projecto por parte da câmara. Seja em que rua for. Ou na maior avenida ou na simples viela. É uma paisagem degradante de uma cidade com profundas raízes na indústria do peixe, de histórias e de tradições explicadas só pela grandeza do mar.

Esta política do abandono é o reflexo de uma crise anunciada há algumas décadas e que o tempo agudizou fruto da crise económica e da perda de terreno do país em relação às grandes potências europeias. Claramente, a nossa indústria mais tradicional não teve a pedalada suficiente para acompanhar o ritmo dos pólos mais modernos da Europa. As marés negras foram-se acumulado, chegando ao ponto de os industrias terem como única alternativa fechar as portas. Sem apoios do Estado, sem suportes financeiros para renovar as máquinas e apetrechar as fábricas do mais moderno equipamento, dizer adeus é sempre o caminho mais fácil.

Esta uma situação preocupante. Não tarda nada as nossas cidades vão perder a sua própria identidade. Por exemplo, Matosinhos deixará de ser conhecido pela sua indústria do peixe, dentro de anos Felgueiras poderá perder o rótulo de cidade ligada ao ramo do calçado e Paços de Ferreira correrá o risco de deixar de ser a capital do móvel. Isto é o reflexo da queda em que mergulha o país em direcção ao abismo.

Mas grave também é rentabilização dos espaços mortos que antes eram fábricas de conversas e hoje são terrenos abandonados a ganhar silvas. Em Matosinhos constroem-se prédios em série, ocupa-se o vazio das indústrias para erguer grandes edifícios em direcção ao céu, onde os empreiteiros parecem dominados pela gasta política da galinha dos ovos de ouro. Esquecem-se de uma coisa importante: em Portugal a taxa de natalidade desce a olhos vistos e dentro de anos não há gente para ocupar as inúmeras habitações que crescem em catadupa. Não é assim que se rentabilizam terrenos baldios. Não era melhor evitar as falências?

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