segunda-feira, novembro 17, 2003

História verídica: Naquele sábado à tarde esmagou nos dedos um maço de tabaco. Não se importou com mais nada. Limitou-se a canalizar todas as energias na mão direita e encolheu 20 cigarros da forma mais selvagem e agressiva. Estava farto. Já não suportava aquela dor no peito, já não tinha paciência para aguentar aquele sufoco que lhe cortava a respiração todas as horas. À tarde, foi ao hospital e ficou internado. O mundo caiu-lhe em cima dos ombros. Ele que sempre teve saúde, que sempre foi um exemplo de perfeição. Sentiu-se desolado e perdido no mundo. Mas estava disposto a vencer aquela batalha.

Por indicação médica, passou o Natal junto da família, mas foi obrigado a ficar no hospital durante o Ano Novo. Os médicos nunca lhe disseram a verdade: 40 anos de consumo compulsivo de tabaco foram suficientes para a propagação de cancro no pulmão. Aos poucos foi melhorando, a falta de ar foi passando, depressa recuperou o apetite e seis meses depois cumpriu a mais dolorosa de todas as batalhas. Fez sessões de quimioterapia, perdeu o cabelo, emagreceu mas estava disposto a viver. Nunca mais fumou desde aquele dia em que se viu fechado numa enfermaria e desconfiou que algo de mal estava a acontecer.

Depois, viveu como nunca. Quase rejuvenesceu. Tinha apetite, a pele ganhou uma cor rosada, não se sentia doente e o corpo respondia a todas as provocações da alma. Era Verão. Saía de casa ao domingo de manhã e só regressava à noite. Sentia-se capaz de tudo e mais alguma coisa. Chegou o mês de Setembro. Veio o Outono e o corpo começou a enfraquecer como um castelo de areia que vai acusando a erosão do tempo. Perdeu as forças, sentiu uma terrível dor de cabeça que não passava à custa de nada. Tomava analgésicos, chegou a colocar rodelas de batata na testa, mas nada lhe valia para atenuar aquelas dores angustiantes.

Os dias passavam e a sua debilitação era assustadora. A falta de ar regressou, as forças fugiam-lhe das pernas e dos braços e só terminou na cama por entre lençóis que se iam tornando pesados à medida que o tempo esvoaçava. Já não suportava mais nada. Deixou de falar, refugiou-se no silêncio, enquanto a respiração era cada vez mais ofegante. Vi-o no dia em que morreu: olhos abertos, boca escancarada. Nem uma palavra. Um homem a combater a morte, embrulhado no sofrimento, cercado de angústias, corroído pela dor constante num corpo retalhado e ferido. Um homem vergado à doença, humilhado pelo cancro e com os pulmões desfeitos pelo vício do tabaco. À noite, morreu.

Para mim, foi um privilégio enorme ver todo aquele sofrimento antes do seu último suspiro. Ainda me despedi dele em vida. Esta história é real, aconteceu há 13 anos e pode funcionar como alerta para aqueles que fumam. Porque hoje é o dia do não fumador.

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