domingo, janeiro 11, 2004

Carta aos amigos

“Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse um fragmento de vida, possivelmente não diria tudo o que penso mas em definitivo pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo que valem, senão pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais se detêm, despertaria quando os demais dormem. Escutaria quando os demais falam, e como desfrutaria um bom sorvete de chocolate!
Se Deus me obsequiasse um fragmento de vida, vestiria simples, me atiraria de bruços ao sol, deixando descoberto, não somente meu corpo senão minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo, esperaria que saísse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que lhes ofereceria à lua. Regaria com minhas lágrimas as rosas, para sentir a dor de seus espinhos, e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um fragmento de vida... Não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas que quero, que as quero. Convenceria a cada mulher ou homem de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor.
Aos homens lhes provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de enamorar-se! À criança lhe daria asas, porém lhe deixaria que sozinha aprendesse a voar.
Aos velhos lhes ensinaria que a morte não chega com a velhice senão com o esquecimento.”

(Gabriel Garcia Marquez - Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)

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