segunda-feira, dezembro 20, 2004

Natal?

Não sei porquê, mas este Natal não me sabe a Natal. Houve anos em que sentia aquela aproximação tão shekespeariana (a palavra saiu-me agora dos dedos) da quadra. Uma espécie de calor e de ansiedade tão própria de cada momento: os dias a correrem lentamente até esbarrarem naquele dia. Naquele grande dia em que os nossos sonhos são mais coloridos do que todos os outros. Não sinto o frio dos outros anos, uma espécie de aragem branca vinda do céu, um cheiro a Inverno a atravessar o ar ou as ruas a transbordar de gente onde se ouve uma música de sininhos e de fadas.

Este Natal não me sabe como os outros. E ponto final. As interrogações podem ser muitas, mas as dúvidas terminam neste preciso instante: a vida corre-me bem, há saúde, a família respira o bem-estar de sempre. Pronto, mas não sinto este Natal, não sinto estas cinco letras «N-a-t-a-l» ou estas duas sílabas «Na-tal» como sentia antigamente. A palavra já pouco me diz. Nem o pinheiro de luzinhas a piscar e carregadinho de bolas de todas as cores desperta a minha antiga paixão pela quadra. Posso ter perdido parte da sensibilidade humana, mas não se trata disso. Sinto que o mundo é como um carro cada vez mais rápido. Os dias atropelam-se uns aos outros, correm como formigas nos carreiros e isso desgasta a vida. Desgasta o tempo. Desgasta as festas. Mas desperta-me a memória.

Estou a fazer um esforço tremendo para evitar aquelas coisas óbvias, mas os valores estão de tal forma alternados que condicionam a minha forma de encarar a quadra. Os jantares multiplicam-se e os convívios são quase que marcados à pressão. Parece que nesta altura tem de haver um jantar, tem de se marcar um convívio sob a pena de não ser Natal. Porque o pretexto do Natal serve para tudo. Para os tais jantares que não são mais do que mantos disfarçados de intenções. Sinto isso a cada ano que passa, a cada jantar que acontece esta semana. Mas isso não explica tudo. O pior motivo de todos: sinto que a criança que vive dentro de mim já não dá o mesmo valor aos presentinhos e isso é um choque tão bruto como alguém dizer a um petiz «o Pai Natal não existe...»

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