2004: Leide, uma leitora brasileira assídua deste blog, mandou-nos um e-mail deveras interessante sobre o novo ano. O «culpado» parece ser o seu amigo Paulo Flores, um artista plástico de S. Paulo. Aqui vai a prosa (meninos e meninas, é para seguir à letra...):
A soma do ano 2004 (2+0+0+4) tem como resultado o número 6, que simboliza a necessidade de enfrentar provas, a curiosidade e os sentimentos profundos. Corresponde à letra hebraica Vau, que significa «olho», ou seja, uma orientação para que você preste mais atenção em tudo o que ocorre à sua volta.
É o numeral da curiosidade, da busca da verdade, das artes e da beleza. Como cada conhecimento é adquirido de forma muito particular, indica a síntese que envolve o consciente com o inconsciente e está presente na alma dos seres humanos como força de orientação.
Neste ano, será importante «desejar» e «procurar» para obter a vitória. Esforce-se mais, seja receptivo para obter o progresso material e espiritual. Coloque em ordem as suas idéias; saia da via das tentativas, na qual não temos certeza de nada. Decida-se imediatamente.
Paulo Flores
terça-feira, dezembro 30, 2003
E, já agora, um óptimo 2004 para todos aqueles que aturam as taras, as manias, os devaneios e as confissões dos autores deste blog. Que todos os sonhos se concretizem no íntimo de cada um. Bem haja.
segunda-feira, dezembro 29, 2003
Reflexão sobre a vida e a morte.
«Eu havia colocado no toca-discos aquele disco com poemas de Vinícius e do Drumond, disco antigo, long-play, o perigo são os riscos que fazem a agulha saltar, felizmente até ali tudo tinha estado liso e bonito, sem pulos e sem chiados, o próprio Vinícius, na sua voz rouca de uísque e fumo, havia recitado os sonetos da separação, da despedida, do amor total, dos olhos da amada.
Chegara finalmente o último poema, meu favorito, "o haver" - o Vinícius percebia que a noite estava chegando, tratava então de fazer um balanço de tudo o que se fez e disso, o que foi que sobrou? Por isso as estrofes começam todas com uma mesma palavra, "resta..." - foi isso que sobrou.
Resta essa capacidade de ternura, essa intimidade perfeita com o silêncio... Resta essa vontade de chorar diante da beleza, essa cólera cega em face da injustiça e do mal entendido...
Resta essa faculdade incoercível de sonhar e essa pequenina luz indecifrável a que às vezes os poetas tomam por esperança...
Começava naquele momento a última quadra, e de tantas vezes lê-la e outras tantas ouvi-la, eu já sabia de cor as suas palavras, e as ia repetindo dentro de mim, antecipando a última, que seria o fim, sabendo que tudo o que é belo precisa terminar.
O pôr-do-sol é belo porque as suas cores são efémeras, em poucos minutos não mais existirão.
A sonata é bela porque sua vida é curta, não dura mais que vinte minutos.
Se a sonata fosse uma música sem fim é certo que o seu lugar seria entre os instrumentos de tortura do diabo, no inferno.
Até o beijo... Que amante suportaria um beijo que não terminasse nunca?
O poema também tinha de morrer para que fosse perfeito, para que fosse belo e para que eu tivesse saudades dele, depois do seu fim.
Tudo o que fica perfeito pede para morrer.
Depois da morte do poema viria o silêncio, o vazio. Nasceria então outra coisa no seu lugar: a saudade. A saudade só floresce na ausência.
É na saudade que nascem os deuses - eles existem para que o amado que se
perdeu possa retornar - que a vida seja como o disco, que pode ser tocado quantas vezes se desejar.
Os deuses - nenhum amor tenho por eles, em si mesmos. Eu os amo só por isso, pelo seu poder de trazer de volta para que o abraço se repita. Divinos não são os deuses. Divino é o reencontro.
A voz de Vinícius já anunciava o fim. Ele passou a falar mais baixo.
Resta esse diálogo quotidiano com a morte, esse fascínio pelo momento a vir, quando, emocionada, ela virá me abrir a porta como uma velha amante...
E eu, na minha cabeça, automaticamente me adiantei, recitando em silêncio o último verso:
"Sem saber que é a minha mais nova namorada."
Foi então que, no último momento, o imprevisto aconteceu: a agulha pulou para trás, talvez tenha achado o poema tão bonito que se recusava a ser uma cúmplice do seu fim, não aceitava a sua morte, e ali ficou a voz morta do Vinícius repetindo palavras sem sentido: "sem saber que é a minha mais nova"..."sem saber que é a minha mais nova"... "sem saber que é a minha mais nova..."
Levantei-me do meu lugar, fui até ao toca-discos, e consumei o assassinato: empurrei suavemente o braço com o meu dedo, e ajudei a beleza a morrer, ajudei-a a ficar perfeita. Ela me agradeceu, disse o que precisava dizer, sem saber que é a minha mais nova namorada... Depois disso foi o silêncio.
Fiquei pensando se aquilo não era uma parábola para a vida, a vida como uma obra de arte, sonata, poema, coreográfico. Já no primeiro momento quando compositor, ou o poeta ou o dançarino preparam a sua obra, o último momento já está em gestação. É bem possível que o último verso do poema tenha sido o primeiro a ser escrito por Vinícius. A vida é tecida como as teias de aranha: começam sempre do fim. Quando a vida começa do fim ela é sempre bela por ser colorida com as cores do crepúsculo.
Não, eu não acredito que a vida biológica deva ser preservada a qualquer preço."Para todas as coisas há o momento certo. Existe o tempo de nascer e o tempo de morrer" (eclesiastes 3, 1s).
A vida não é uma coisa biológica. A vida é uma entidade estética. Morta a possibilidade de sentir alegria diante do belo, morreu também a vida, tal como Deus no-la deu - ainda que a parafernália dos médicos continue a emitir seus bips e a produzir ziguezagues no vídeo.
A vida é como aquela peça. É preciso terminar. A morte é o último acorde que diz: está completo. Tudo o que se completa deseja morrer.»
(Rubem Alves)
domingo, dezembro 28, 2003
Mal aproveitados pelo sistema: Quem gosta de passear pela cidade e lançar um olhar atento às pessoas que nos aparecem à frente, não fica indiferente às constantes caras novas que nos inundam. Independentemente da cidade (o local é secundário), tem-se assistido à presença constante de imigrantes do Leste que servem de mão-de-obra barata na construção civil. Ajudam a erguer prédios, estiveram nos novos estádios do Euro-2004, são considerados imprescindíveis porque fazem aquilo que os outros não fazem. São educados, trabalhadores e generosos (sei do que estou a falar), mas são mal aproveitados pela nossa sociedade. Há dias, a tese confirmou-se quando uma mulher jovem disse o seguinte na televisão: «O meu marido é médico e trabalha na construção civil». No Leste da Europa, onde a qualidade de ensino sempre foi uma bandeira no tempo do comunismo, formaram-se médicos capazes de fazer a diferença e que podiam ser inseridos nas instituições públicas do nosso país. Iriam, certamente, desenvolver áreas atrasadas. Fica o aviso aos senhores governantes.
quarta-feira, dezembro 24, 2003
Do meu Poeta :
O Pinheirinho Xão
está bom e manda-te um beijo.
Ele, que aprova o meu desejo,
- não fosse obra de nós dois… -
ficou triste, mas depois,
agitou ramos ao vento,
firmou-se em suas raízes,
sorveu do Sol alimento,
corou-se de cores felizes,
olhou-me e disse, solene:
“Quero ver arder os meus ramos
em fogo de amor perene!
Quero dar sombra aos vossos filhos,
quero vê-los crescer, sadios!
Quero ser árvore de Natal
de mil séculos imortal!”
O Pinheiro Xão está bom.
E manda dizer que te quer ver.
(J.A.S.B. - 1980)
terça-feira, dezembro 23, 2003
Como deve ser o Natal: Não sei o nome, desconheço a idade. Mas aquele homem compreendeu o verdadeiro espírito de Natal. O dono de um restaurante no concelho de Albergaria-a-Velha abriu as portas do seu estabelecimento aos mais necessitados. Promoveu uma ceia aos desfavorecidos da zona. Não pensou no lucro, no dinheiro. Apenas em ajudar os outros. A minha homenagem.
ADOPTAREI O AMOR
Adoptarei o amor por companheiro
e o escutarei cantando, e o beberei como vinho,
e o usarei como vestimenta.
Na aurora, o amor me acordará
e me conduzirá aos prados distantes.
Ao meio-dia, conduzir-me-á à sombra das árvores
onde me protegerei do sol como os pássaros.
Ao entardecer conduzir-me-á ao poente,
onde ouvirei a melodia da natureza
despedindo-se da luz, e contemplarei
as sombras da quietude adejando no espaço.
À noite, o amor abraçar-me-á,
e sonharei com os mundos superiores
onde moram as almas dos enamorados e dos poetas.
Na Primavera, andarei com o amor, lado a lado,
e cantaremos juntos entre as colinas;
e seguiremos as pegadas da vida,
que são as violetas e as margaridas;
e beberemos a água da chuva,
acumulada nos poços,
em taças feitas de narciso e lírios.
No Verão, deitar-me-ei ao lado do amor
sobre camas feitas com feixes de espigas,
tendo o firmamento por cobertor
e a lua e as estrelas por companheiras.
No Outono, irei com o amor aos vinhedos
e nos sentaremos no lagar,
e contemplaremos as árvores se despindo
das suas vestimentas douradas
e os bandos de aves migratórias
voando para as costas do mar.
No Inverno, sentar-me-ei com o amor
diante da lareira e conversaremos
sobre os acontecimentos dos séculos
e os anais das nações e povos.
O amor será meu tutor na juventude,
meu apoio na maturidade,
e meu consolo na velhice.
O amor permanecerá comigo até o fim da vida,
até que a morte chegue,
e a mão de Deus nos reúna de novo.
(Kalil Gibran)
segunda-feira, dezembro 22, 2003
Outono: Ao longo destes três meses, escreveram-se palavras em homenagem a um palavra, a um estado de espírito, a uma época do ano: o Outono. Palavras que se encadearam, o reflexo da alma, palavras disto e daquilo. Palavras alusivas a uma estação tão marcante. Está a chegar ao fim, porque tudo chega ao fim. Os textos e as palavras também chegam ao fim. O Inverno está ao virar da esquina, mas vale a pena olhar para trás e reler o que ficou. Cinco textos, cinco momentos. Sobre o Outono. De mim para todos:
Outono, 1: As árvores pingam folhas amarelas em direcção da pedra cinzenta e pressente-se uma aragem gelada mal a noite cai. No ar, o pó seco é o respiro da natureza: assiste-se a um misto de fogo pálido e de castanho suave a entrelaçar-se no passeio até os nossos olhos se perderem um no outro. O vento empurra as folhas secas para a berma da estrada e ouvem-se todos aqueles movimentos como se o céu e a terra parassem por segundos e tudo se resumisse àquele som, por vezes quente, outras vezes frio, tal e qual a tua voz a escorrer nos meus ouvidos. Assim, bailamos. Como as fotografias antigas nos conduzem a danças lentas em bosques escuros.
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Outono, 2: Estar em casa, sem nada para fazer, olhar lá para fora e ver a chuva a colar-se ao vidro da janela como lápis inquietos em folhas de papel. Ter frio, pegar num cobertor, saber que aquela tarde é tão vazia como todas as outras, porque o vento dobra a esquina, porque o céu cobre-se de negro, porque o telefone continua em silêncio, porque as tuas palavras não chegam, porque a rádio repete os noticiários a todas as horas. Olhar de novo lá para fora e ver que o fim do dia traz com ele o caos que só a noite conhece: os carros em fila indiana ao longo da avenida, os faróis ligados, a chuva a pingar bem lá do alto. Ter frio. Um cigarro. As tuas palavras não chegam...
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Outono, 3: Há um caminho que nos leva para o outro lado da montanha, onde tudo começa da mesma maneira: há uma fotografia, uma música, uma palavra, uma folha amarela e um vento cortante. Estamos sentados na nossa cadeira, acreditamos em tudo, até nas nossas vozes, recordamos abraços, penetramos o silêncio nas nossas mãos até vasculhar as gavetas do quarto. «És tu», dizemos as vezes que forem precisas. És tu, és tu. Serás sempre tu e mais ninguém.
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Outono, 4: O vendedor de castanhas, ao fundo da avenida, é sempre o mesmo: tem a cara suja de cinzas, usa um chapéu preto e tem uma mão funda como se tivesse vivido no campo a semear de sol a sol, a desbravar a terra com aquelas mãos já calejadas e sofridas. O fumo perde-se por entre a cidade e o abanador de palha é como o mundo. Anda de um lado para o outro, nunca pára, está em constante rodopio naquela rua carregada de bustos e de olhares. Sente-se no ar um cheiro a castanha assada, um odor quente ao final de tarde, como se fosse um som de uma música suave a bailar nos nossos ouvidos. O trânsito evaporou-se, o ruído de fundo desapareceu. Não há vozes. Só um cheiro a chuva, a frio e a saudade.
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Outono, 5: Hoje já não sei mais nada. Quando foste embora sem dizer uma única palavra. O calendário diz que ainda estamos no Outono, mas desconfio. De ti e de todas as vozes que me chegam. Cada dia que passa, cada hora que avança como se fosse a primeira hora de todas as horas, belisca-me um frio húmido vindo das entranhas do mar. O sol apaga-se por entre a linha do horizonte e só me apetece continuar aqui, sozinho, de livro na mão, a mergulhar naquelas tardes de Verão em que partilhávamos segredos dentro daquele quarto. Está frio. Todos os dias, invade-me a mesma dúvida: O que hei-de vestir? Vou levar guarda-chuva? A gabardina fica dentro do armário? Continuo aqui, a ler. Não há palavras para mais nada...
domingo, dezembro 21, 2003
O MEU OLHAR!...
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas,
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num mal me quer,
Porque o vejo.
Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender.
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar .
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...
(Fernando Pessoa)
sábado, dezembro 20, 2003
Do meu Poeta:
Corra da vida o rio, reluza a espuma.
que brilhe a água gelada das montanhas;
voem no Céu as aves, quais plumas,
revolvam-se da terra fértil as entranhas.
Escolhe na vida o rumo que desejas,
afasta para um lado as tuas dores;
o rio há-de correr, mesmo que vejas
secarem-lhe nas margens as flores.
Teu rio há-de correr. Também o meu…
mas suas águas hão-de misturar-se
num rio grande, só, chamado NÓS.
Os rios hão-de correr. Que corram rápido.
‘te que os seus leitos venham a juntar-se,
e não sejam mais que um até à foz.
(J.A.S.B. – 1980)
Os homens não aprendem...: nunca. No local onde desabaram as míticas Torres Gémeas irá crescer o edifício mais alto do mundo, ao que tudo aponta em 2008 ou 2009. Terá 514,4 metros de altura, irá chamar-se Torre da Liberdade e será equipada com uma antena de transmissão imponente e um conjunto de turbinas sofisticadas para produzir energia. Terá escritórios, restaurantes e lojas comerciais como se impõe no coração mais sensível de Nova Iorque. Construir um edifício ainda mais alto do que o World Trade Center é desafiar todos os ódios em relação aos Estados Unidos. Será o mais apetecível alvo da ira árabe, porque reúne em si dois conceitos perigosos: «O mais alto do mundo» e «Torre da Liberdade». Mas o orgulho americano é maior do que este edifício. O problema é mesmo esse...
Quando se é generoso, atento e existe verdadeiro afecto, qualquer reacção de uma pessoa estimada, não cai como pedra no charco.
Partilhar o entusiasmo, as alegrias e as conquistas dos “nossos”, traz-nos felicidade própria.
Muito simplesmente, foi isso que aconteceu.
Como é bela a nudez vestida pela amizade.
sexta-feira, dezembro 19, 2003
Intuições: As reacções das pessoas são como o algodão, não enganam. Podemos fazer um teste, se quiserem. É infalível. Para mim, é infalível. As pessoas medem-se, não com fita métrica na mão, nem sequer pelo simples olhar. Mas pelos gestos, pelas palavras, sobretudo pelas reacções. As pessoas conhecem-se pelas reacções que têm quando sabem algo, especialmente quando esse algo está relacionado com a nossa vida. Com algo que já temos, com algo que conseguimos, com algo que conquistámos, com algo que nos ofereceram. Às vezes, o algo é enorme. Há pessoas que não gostam daquilo que temos. Por isso, há que ter métodos. Avaliá-las em função das reacções que têm quando sabem algo de bom sobre nós. As reacções são como tirar a roupa sem pedir licença. É ficar nu, à frente de alguém. Se a reacção é seca quando comprámos algo, mais vale virar a página e ler outro texto.
Retalhos: Numa instituição bancária perto de uma zona degradada da cidade, a cena repete-se todas as sextas-feiras. Em frente aos funcionários, nas barbas dos clientes, um toxicodependente pressiona o avô a assinar um cheque para alimentar o seu vício. Fá-lo de forma discreta e o senhor nem reage. Assina o papel de mãos trémulas. Senta-se e diz qualquer coisa imperceptível. Os funcionários já conhecem a história, mas nada fazem. Há outras situações mais graves: velhinhas que vão levantar as reformas e dão de caras com os familiares, estrategicamente colocados à porta, que só querem varrer a carteira; toxicodependentes que pedem aos funcionários elásticos para se injectarem no jardim mais próximo. Numa altura do ano em que o dinheiro está imediatamente associado às prendas, há quem viva realidades bem diferentes...
AS ÁGUIAS EXPLANAM-SE
para João Rui de Sousa
As águias explanam-se em voo sobre o prado plano
e a relva é lisa e leve como deve ser um campo de papoilas
onde os heróis são antigos e erguem troféus ganhos em batalhas
com a nobreza solene de usarem a suas próprias armas.
Nas bancadas não há damas nem escudeiros nem reis
duvidosos das vitórias alcançadas
contra bandeiras altaneiras na quadra
pequena para a prodigiosa dimensão dos guerreiros
que assumem a púrpura sanguínea dos deuses
na alvura dos seus rostos.
Em baixo onde se suspira o máximo pela conquista
no lugar em que o suor vale o tudo e o nada
no corpo a corpo do homem com o esférico nas mãos do vento
bate o coração à velocidade do sentimento cego
exposto ao silêncio do movimento
e a alma se cala de repente caída na terra verde
só de pensar que alguém para contrariar criou dias
em que também se perde.
(José António Gonçalves)
(in "Aventura na Casa dos Livros",
Colecção "Cadernos Ilha", nº. 10,
Editorial Correio da Madeira,
2000)
quinta-feira, dezembro 18, 2003
«La nuit n’est jamais complète
Il y a toujours puisque je le dis
Puisque je l’affirme
Au bout du chagrin une fenêtre ouverte
Une fenêtre éclairée.»
(PAUL ÉLUARD)
quarta-feira, dezembro 17, 2003
Correio do Leitor:
Do outro lado do Atlântico, do Brasil, chegou esta mensagem:
Toc Toc.... Eliza? rsrsrss
Olá, Maria
Queria dividir contigo este soneto de Machado de Assis.
Se achares interessante para o blog....
Um beijo
Leide
SONETO DE NATAL
UM HOMEM, -- era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, -
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua vida antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto ... a folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
(Machado de Assis)
___________
Muito obrigada pela tua participação, Leide.
Um grande beijinho e votos de um Feliz Natal.
Maria Oliveira
Tenho dito: Depois de Saddam Hussein ter sido capturado, só falta George W. Bush ir preso para o mundo ser (quase) perfeito...
VIDA !
De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre recomeçando...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...
Portanto devemos fazer da interrupção um caminho novo...
Da queda um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...
(Fernando Pessoa)
terça-feira, dezembro 16, 2003
Correio do leitor:
César;
Eu também não gosto destes Natais!!! e porque me identifico com o que escreveu sobre "estes" no "Remoinhos", queria deixar-lhe um poema que se refere ao ano de 1971 , que acho, cada ano que passa, mais actual:
" Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
As cinzas de milhões?
Natal de paz agora
Nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
Num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
Roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
Em ser-se concebido,
Em de um ventre nascer-se,
Em por de amor sofrer-se,
Em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
Quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
Num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
Com gente que é traição,
Vil ódio, mesquinhez,
E até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Ou dos que olhando ao longe
Sonham de humana vida
Um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
E torturados são
Na crença de que os homens
Devem estender-se a mão?
(Jorge de Sena - Natal de 1971)
Um abraço
"Gilda"
___________________________________
Obrigada Gilda, e desculpa o atraso.
Só agora vi a caixa do correio do Remoinhos.
Beijos, minha amiga.
Maria Oliveira e César
Mitos em fim-de-linha: Já não há mitos eternos ou praticamente intocáveis, há homens de carne e osso que são tão vulneráveis e acessíveis como os outros. Neste arranque de século, uma ideia marcante, até agora, é o fim do poder absoluto e sustentado no peso da influência social, política e económica. Nunca como agora os chamados «elefantes brancos» foram abatidos a sangue frio. Sem dó nem piedade. Sem olhar ao nome. Sem olhar ao passado. Sem olhar a mais nada. Nesta bola de neve, cresce o nome de Carlos Cruz. Há 25 anos, uma figura tão conhecida e influente da sociedade portuguesa, jamais seria detida. Jamais seria acusada disto ou daquilo. Jamais o seu «bom nome» seria beliscado. Agora, há vidro em qualquer telhado, independentemente do tamanho da casa.
Uma história sobre teatro:
A peça de teatro “Sete Minutos”, da autoria do grande actor brasileiro António Fagundes, em exibição em Lisboa e já apresentada no Porto, revelou-se um estrondo de bilheteira.
Nem outra coisa era de esperar.
Foi a primeira peça de teatro de autoria brasileira, e com um elenco de actores brasileiros, a que assisti.
Numa despretensiosa encenação, com um elevado nível de representação (não invulgar nos actores brasileiros), conta-nos o António Fagundes, protagonista, uma história sobre o comportamento dos públicos que frequentam o teatro.
Os maus comportamentos dos espectadores!
A falta de pontualidade com direito a reclamações, os cochichos até ao levantar do pano, ou mesmo depois disso, os ataques de tosse incontroláveis, os esquecimentos de desligar um telemóvel, e até mesmo a urgência de uma ida ao W.C. que perturba a concentração dos actores e que incomoda desesperadamente os espectadores, com um “com licença e desculpe”.
Todo o texto se desenvolve de forma crítica feroz mas humorada. Direi mesmo refinadamente ridicularizada.
Tanto assim é que, a certa altura dei comigo a pensar; este homem está a bater nos espectadores com tanta gana que não sei como vai conseguir dar a volta ao texto, de forma a sair airoso e sem afugentar, de vez, o “escasso” público que vem ver teatro.
Evidente que aquele senhor sabe muito desta arte. Uma carreira de quase quarenta anos, dá margem para isso.
Após ter desancado o público (genericamente), com toda a inteligência, acarinha-o e enobrece-o.
Esta peça de teatro é um ensinamento de como respeitar o trabalho de um actor em palco. O palco é um local sagrado, cita ele na peça; venere-se como tal.
Quanto a mim, a intenção expressa não atinge quem deveria. A quem a carapuça deveria enfiar, não deve lá ter chegado. Quanto aos restantes, os inocentes, sentem-se verdadeiramente desconfortáveis pelo irrefutável reconhecimento da falta de civismo dos públicos que frequentam teatros em países como o Brasil (?) ou Portugal, em que os maiores prejuízos recaem não só sobre os actores – afinal devidamente treinados e habituados - mas sim no público cumpridor, respeitador e verdadeiramente apreciador desta arte.
domingo, dezembro 14, 2003
Relíquias do meu baú:
Eu beijo, ao acordar, o teu retrato
(“tenho beijinhos gordos pr’a te dar”).
Longe estão teus lábios, talvez doutro;
um dia serão meus. Posso esperar.
Hoje, ao acordar, beijei a VIDA,
alento que tomei eternamente;
hoje beijei-te a imagem, Mulher Querida,
à espera de beijar-te, finalmente.
Não enjeites meus beijos. São um livro
de Amor que te dou, encadernado
da alma a que puseste o cadeado
da paixão. E hoje, e amanhã, de ti me privo,
que quero inda fazer mais engordar
os beijos que tenho, meu amor, para te dar.
(J.A.S.B. - 1980)
sábado, dezembro 13, 2003
sexta-feira, dezembro 12, 2003
História verídica: É um facto incontornável que este ano vários professores ficaram na prateleira à espera de colocação, um mal que já não é de agora, mas que se arrasta há muito tempo. Todas as reformas educativas não podem ficar pelos próprios conteúdos em si, mas também pela mudança dos próprios intérpretes como forma de estancar um mal terrível: a má formação dos alunos. Quando era estudante tive péssimos professores, alguns deles tão maus que chegavam a ser inqualificáveis pela sua lamentável conduta. No oitavo ano do liceu tive o «Maravilhas» na disciplina de matemática. Era assim que era conhecido. Não reprovava ninguém, varria os alunos a três (para os menos esforçados), a quatros (para os mais aplicados) e a cincos (para os melhores). Compreende-se a alcunha. Mas isto era apenas a ponta do iceberg, porque o reverso da medalha era o mais triste de todos os cenários. Só ia à escola uma vez por semana - não estou a exagerar -, porque tinha várias actividades paralelas. Ser professor era apenas um passatempo. Por isso, dava a matéria a correr e não tinha coragem suficiente para reprovar quem quer que fosse.
Obrigado, «Maravilhas». Graças a si, passei a detestar a matemática.
Hoje precisei tanto de ti, e tu não estavas…
Sinto-me zonzo. Qualquer coisa estranha, como se tivesse habitado um outro corpo que me fizesse ter estado mais próximo de ti noutro tempo.
Eu, que me divido entre as palavras a mais, quando os silêncios dizem tudo, ou a insuficiência das palavras, quando elas não chegam para dizer o que sentimos, tenho medo das que me podem trair ou assustar-te/afastar-te, mas não consigo (ou não quero) controlá-las.
Vivemos cada vez mais emparedados em nós próprios, com o medo das palavras, porque há as nocturnas, ternas, sussurradas; e outras de metal, aguçadas e gélidas. E outras ainda, pensadas à velocidade do atropelo e pressa da euforia no momento, que não chegam sequer a ser ditas, porque o silêncio fala mais e melhor que qualquer palavra. Tudo isto se passou na nossa conversa. Foi uma viagem quase alucinada a uma velocidade estonteante, por onde trespassaram sentimentos como num batido de cocktail, mas muito saboroso.
Receio parecer-te um arrebatado que facilmente dispara em galope para um qualquer abismo, mas sinto uma vontade quase incontrolável de me abrir contigo até ao meu mais íntimo. Atiro-me para ti sem temor, por nada recear, ou movido pela carência e solidão destes tempos em que me julgava desistido.
Dormi mal durante o fim-de-semana, mas já há muito que o sono sem vir não tinha tão boa razão. Sinto ainda a tua voz a ressoar em mim, e fico quietinho à espera de novos sinais.
Fico parado a olhar para o computador. Ele a exigir palavras e eu a tentar o jorro das que me querem sair aos borbotões, como um vulcão a entrar em actividade ao fim de muito tempo. Como se só agora encontrasse o vale para o eco de mim. Na pressa de dizer tudo, mas com medo do que possa dizer.
Reparto-te entre o prazer do platonismo, da troca de palavras através desta nova tecnologia, com um teclado de permeio, e o desejo, quase incontrolável, quase fúria, de sentir a chama de um olhar; o toque desenhado de umas mãos; o veludo de uns lábios; o aconchego dum abraço, quase casa; o abandono ao fim duma longa caminhada. E tudo me leva para ti, para essa voz que me encheu como a onda que inunda a gruta vazia do rochedo.
Não é literário. Receio mesmo que, não me conhecendo, possas pensar ser uma enorme leviandade. Eu próprio não percebo o que se está a passar. Dum modo geral sou cauteloso e até reservado. Os bofetões que se vão levando, aconselham-nos a isso. Só que, contigo, sinto que não estou ameaçado, nem devasso.
Peço-te, não te assustes, mas deixa-me reproduzir-te um poema:
«- Conheces a casa?
- Pelos cheiros e pelos ruídos, pela sombra nas paredes a certas horas, uma jarra de rosas sobre a mesa, e a Primavera no quintal com o perfume de terra e musgo e buxo e flores de limoeiro.»
Sinto tudo isto como se, ao “encontrar-te”, encontrasse a casa em que já morei sem ter morado.
Roubo as palavras a outro, mas não deixam de ser menos minhas por isso.
V.
(Junho/2001)
quinta-feira, dezembro 11, 2003
«BIBLIOTECA APÁTICA»
«Não me tragam telegramas, recados ou flores.
Esqueçam-me nas esquinas das folhas lidas
e reinventem-me nas capas dos livros perdidos.
A biblioteca está fechada e as estantes imobilizam-se
na escuridão do seu aparente abandono,
ao som desesperado do seu inútil recolhimento.
Venham os doutores e seus educandos,
as pleîades incontáveis de potenciais leitores
contar-me dos arrepios, espantados, no madrugar
de um turbilhão indescortinável de apatias.
E confortem-me, no início de cada noite,
pela consciência do repetimento da sua solidão.
Abracem-me com uma página branca,
disposta a registar a poeira,
o calor de um dedo,
no recanto do milagre
que devolve a luz à palavra.»
José António Gonçalves
(in "Aventura na Casa dos Livros",
Colecção Cadernos Ilha, nº. 10,
Editorial Correio da Madeira, 2000)
quarta-feira, dezembro 10, 2003
Siga estas palavras: Se estiver a ler este texto com o cigarro na mão, não hesite. Dê uma passa e outra logo de seguida. Siga estas palavras, deixe-se conduzir pela fluência destas ideias. Aproveite o cigarro que tem na ponta dos dedos, levo-o à boca novamente. Respire fundo, saboreie o rasto que fica no meio da língua. Sabe bem, não sabe? Se estiver a beber café melhor ainda. Parece haver um misto de paladares exóticos. São paladares refinados, sensações quentes e duradouras como o calor que se espalha vindo do nada. É bom. É como se não houvesse nada melhor. Mesmo que a boca fique seca. Saboreie de novo o seu cigarro. Agora, pare. Abra os olhos e pense. Por momentos, pense. Abra os olhos e pense na imagem que está mesmo abaixo deste texto. É só deslizar o cursor e seguir o movimento...
PS: No Brasil, os maços de tabaco trazem imagens como esta. Está à espera de quê para deixar de fumar?
terça-feira, dezembro 09, 2003
Como se engana o povo: Neste blog já demos conta de uma barbaridade: há um manual de português, do 10º ano, que tem uma página dedicada ao Big Brother, na qual os alunos são desafiados a testar os seus conhecimentos. O chinfrim foi tanto que a Porto Editora resolveu substituir essa mesma página por uma outra, cujo conteúdo também fica muito aquém do esperado. Não irá figurar o Big Brother, mas um outro concurso da televisão portuguesa. Há coisas simples e demasiado óbvias. Esta parece-me simples e bastante óbvia. Há uma clara tentativa de enganar o povo, neste caso, as bocas da discórdia que lançaram a crítica por tamanha falta de senso. Não é com concursos, sejam eles de que índole forem, que se enriquece os adolescentes e se forma gente capaz de fazer a diferença naquilo que sabe. É com cultura. Com os nossos autores consagrados. Com os pedaços da nossa história. Com exercícios que apelem à nossa inteligência. É por estas e por outras que se escreve «kem» em vez de «quem». Só a título de exemplo...
segunda-feira, dezembro 08, 2003
Viagens: Ninguém fica indiferente à sensação de viajar que é muito mais do que uma simples mudança física de um sítio para o outro. Quando viajamos, estamos a abrir os nossos horizontes, a aumentar os nossos conhecimentos. Esta é a definição imediata do conceito, mas a substância do acto ultrapassa outro tipo de barreiras. O mais fascinante numa viagem é podermos viajar ao interior de nós mesmos numa espécie de exercício de auto-conhecimento àquilo que somos. Não é à toa que quando temos um problema, a preocupação desaparece a partir do momento em que viajamos. Mas o fenómeno é ainda mais intenso do que isso. Um dos grandes fascínios da viagem é o valor que damos à nossa casa, ao nosso espaço, quando chegamos do sítio onde estivemos. Isso acontece sempre comigo.
domingo, dezembro 07, 2003
Circunstâncias
"Do rio que tudo arrasta, dizemos que é violento, só não dizemos que são violentas as margens que o comprimem."
(Goeth)
Efemérides:
Apareceste um dia vindo de uma primavera morna, como tu.
Tomaste assento e permaneceste.
sábado, dezembro 06, 2003
«Só falei do tempo que passa»
«Que horas eram? Pessoa não sabia. Seria noite? O dia se teria levantado? A enfermeira veio e deu-lhe outra injecção. Pessoa já não sentia a dor do lado direito. Estava agora numa paz estranha, como se um nevoeiro tivesse descido sobre ele.
Os outros, pensou, agora viriam os outros. É claro que queria despedir-se de todos antes de partir. Mas havia um encontro que o angustiava, era o encontro com o Mestre Caeiro. Porque Caeiro vinha do Ribatejo e tinha uma saúde tão frágil. Como viria ele a Lisboa, talvez de caleche? É verdade que Caeiro já tinha morrido, mas estava ainda vivo, viveria eternamente naquela casinha branca de cal do Ribatejo de onde olhava com um olhar implacável a passagem das estações, a chuva invernal e a canícula do verão.
Ouviu bater à porta e disse: Entre.
Alberto Caeiro trazia um casaco de veludo com uma gola de pêlo. Era um homem do campo, via-se pela maneira de vestir.
Ave, Mestre, disse Pessoa, morituri te salutant.
Caeiro aproximou-se dos pés da cama e cruzou os braços. Meu caro Pessoa, disse, vim dizer-lhe uma coisa, permite-me que lhe faça uma confissão?
Faça favor, replicou Pessoa.
Pois bem, disse Caeiro, …»
(Antonio Tabucchi, in Os Últimos Três Dias de Fernando Pessoa)
sexta-feira, dezembro 05, 2003
Confissões: Há locais no mundo que nos transmitem uma paz invulgar, uma sensação de comunhão com a vida, uma simbiose perfeita com o espaço. Se temos preocupações, tudo passa; se nos sentimos insatisfeitos, há uma mudança de estado de espírito; se estamos tristes, somos invadidos por uma espécie de harmonia. É um enigma. Esta chave é um enorme ponto de interrogação. É como se todas as coisas começassem mal, mas terminassem da melhor maneira possível. Sentimo-nos em baixo, mas entramos numa igreja e aquele silêncio enche-nos, aquela calma é capaz de combater tudo. Já estive em Fátima e no Vaticano e sente-se qualquer coisa de inexplicável. É como se algo varresse o nosso espírito por momentos e todas as impurezas de alma desaparecessem por breves instantes. Não sei se estes locais têm algo de sagrado e que por si só cure (sempre fui muito céptico) ou se aquela paz interior é fruto da fé dos homens. Das manifestações humanas ao alcance do nosso olhar.
quinta-feira, dezembro 04, 2003
Se tu viesses ver-me...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
(Florbela Espanca)
quarta-feira, dezembro 03, 2003
Não gosto destes Natais: Sinceramente, não gosto destes natais, em que as pessoas compram prendas para os amigos por pura hipocrisia. A festa que junta a família banalizou-se no mais sério e gigantesco negócio comercial de todos os tempos. Não se pode ir a lado nenhum: as lojas estão apinhadas de gente, os comerciantes dizem que é o pior ano de sempre (já cansa ouvir a mesma lengalenga) e as ruas ficam inundadas de trânsito. Há um sentimento de falsidade no ar. Porque nos lembramos deste e daquele porque é natal. Caso contrário, nunca iríamos telefonar ou mandar uma mensagem para este e aquele. Ou seja, há quase que uma obrigação latente - não a nossa vontade expressa - em cada gesto, em cada telefonema, em cada palavra para aqueles que nos dizem pouco. Com as prendas também corremos esse risco. Ter de comprar quase por obrigação, porque fulano nos vai dar um presente. Estes natais são hipócritas.
terça-feira, dezembro 02, 2003
Esclarecimento devido: Não sei bem há quantos dias ou semanas, (não o consegui localizar ainda), escrevi um post alusivo à sobrecarga de trabalho que o meu amigo César estava a atravessar no momento e que o impossibilitava, até certo ponto, de marcar a sua assídua e viva presença neste espaço.
Comparei a dificuldade de conciliar ocupações laborais com ocupações lúdicas – estas últimas com certo carácter de obrigação moral (?).
Brincando com a situação, estabeleci um paralelo com “casais desavenços”. Falei em ciúmes, traições e desconfianças.
Logo na ocasião, o César interpretou a ideia como não correspondendo à minha intenção. Esclareci-o, na altura, e tudo passou.
Há três dias estive com amigos pessoais que lêem regularmente o Remoinhos, e também eles me revelaram exactamente a mesma interpretação que o César tinha dado àquele post.
Fiquei preocupada. O mal entendido era grave, quanto a mim. Pareceu aos leitores que eu estava a relatar uma situação pessoal de desentendimento entre casal em que o César estaria envolvido.
Fui infeliz na minha forma de brincar com a escrita.
Longe de mim entrar na intimidade da vida pessoal do meu amigo e parceiro desta “séria brincadeira” – o Remoinhos.
Mais longe ainda, divulgar tal condição.
Sinto-me obrigada a pedir desculpa em primeiro lugar ao César e seguidamente corrigir perante os nossos leitores um equívoco que partiu unicamente de uma “escrita brincalhona”, mal conseguida e com resultados dúbios.
“So sorry…”
O novo Vietname: A onda crescente de insegurança (e não só) que reina no Iraque tem levado à morte vários soldados, uma situação que está a atingir níveis preocupantes e parece não ter um fim à vista. De acordo com as últimas estatísticas, Novembro foi o mês mais sangrento desde que o conflito está nesta fase de banho-maria. Noventa e quatro militares e sete civis mortos, num total de oito nacionalidades, são números que dão que pensar se levarmos em linha de conta que aquele país do Médio Oriente é das maiores ciladas do globo terrestre. É uma cilada tão grande que os americanos ainda não se aperceberam do sarilho onde se meteram. Quando abrirem os olhos, será tarde de mais tal como aconteceu na inesquecível guerra do Vietname, onde o poder político e militar do alegado senhor do mundo foi altamente humilhado. O senso-comum diz que a história nunca se repete, mas este exemplo mostra o contrário. O que se está a passar no Iraque é um espelho fiel da ferida asiática nas décadas de 60 e 70. Mas ninguém aprendeu com isso. Agora, há ainda a agravante de vários países estarem a pagar esta factura por influência de George W. Bush.
segunda-feira, dezembro 01, 2003
Para rir (ou talvez não...): Um em cada sete portugueses acredita que apertar a mão a um doente de Sida ou a um seropositivo, bem como tocar nos objectos em que estes tocaram, pode constituir uma forma de contágio da doença, revela uma sondagem europeia. É mesmo assim. Estamos no século XXI. Hoje é 1 de Dezembro, o Dia Mundial da Sida. Lê-se a frase de cima e sente-se que vivemos num mundo onde não há televisão, livros e jornais. É verdade. Em Portugal, é como se não houvesse televisão, livros e jornais. Na prática, nada disto existe. Não tenho dúvidas...