sexta-feira, abril 30, 2004

Os reflexos da política do cimento

É uma situação grave. Preocupante. Aconteceu esta semana e podia ter consequências nefastas para a pessoa em causa. Quando a C. se dirigia para casa, depois de mais um dia de trabalho, passou por baixo de uma passagem superior, onde um grupo de crianças se divertia a atirar sacos de água para os automóveis na estrada. Um deles acertou-lhe em cheio, destruindo-lhe por completo o vidro da frente do automóvel. Felizmente, ela não se magoou. Nem perdeu o controlo do veículo, nem pôs em causa a segurança rodoviária dos outros. Mas não valeu para o susto. As crianças fugiram de imediato e a chamada da polícia apenas serviu para preencher as formalidades. Nada mais.

Esta é uma situação grave e a culpa, como sempre neste tipo de casos, vai morrer solteira. Não se sabe quem foi, quem era, apenas se tem a certeza de ter sido uma criança. Outros sacos de água estavam no chão, depois de terem falhado o alvo, prova de que o divertimento deste grupo de petizes está longe de ser a mais lúdica de todas as brincadeiras. Segundo relataram à C., naquele sítio, há poucas semanas, um grupo de miúdos passou o tempo a atirar pedras para os automóveis que passavam na estrada. É preocupante. E triste. Porque se trata de uma acção criminosa para a qual as autoridades não mexem uma única palha. Nem estão interessadas em cortar o mal pela raiz.

Este acidente aconteceu num sítio bem próximo de um bairro social, onde prolifera a droga e a criminalidade é uma prática corrente. No fundo, aquelas crianças são o reflexo do comportamento dos pais, maus exemplos sociais, vítimas do desemprego e da precariedade de conceitos, que se servem do caminho mais fácil para atingir os seus próprios fins. Esta é uma situação preocupante. Porque as crianças são a ponta do iceberg, quando a experiência dos mais velhos leva a crer que são capazes de acções bem piores, ligadas ao mundo da toxicodependência ou a teias de criminalidade nos vários cantos da cidade.

Fica o alerta para o nosso Governo que nos últimos 20 anos adoptou uma política fácil, sustentada no cimento e no ferro, construindo estradas, idealizando pontes, dando forma a estádios para o Euro-2004 e a apostar tudo no crescimento do país pelo telhado e não pelo chão. O princípio básico de uma sociedade livre é a educação das massas, a cultura de um povo e a sua formação. Nesse aspecto, não se investiu um único cêntimo. Estes jovens são os adultos de amanhã. São filhos da degradação social, onde a violência é uma arma para amedrontar os outros. É preciso educar esta gente. Há que investir nesse sentido. Ou não será assim, senhor primeiro-ministro?

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  • Dedicando a tarde a este Senhor

    Orly

    Ils sont plus de deux mille
    Et je ne vois qu'eux deux
    La pluie les a soudés
    Semble-t-il l'un à l'autre
    Ils sont plus de deux mille
    Et je ne vois qu'eux deux
    Et je les sais qui parlent
    Il doit lui dire: je t'aime
    Elle doit lui dire: je t'aime
    Je crois qu'ils sont en train
    De ne rien se promettre
    C'est deux-là sont trop maigres
    Pour être malhonnêtes

    Ils sont plus de deux mille
    Et je ne vois qu'eux deux
    Et brusquement ils pleurent
    Ils pleurent à gros bouillons
    Tout entourés qu'ils sont
    D'adipeux en sueur
    Et de bouffeurs d'espoir
    Qui les montrent du nez
    Mais ces deux déchirés
    Superbes de chagrin
    Abandonnent aux chiens
    L'exploir de les juger

    Mais la vie ne fait pas de cadeau!
    Et nom de dieu!
    C'est triste Orly le dimanche
    Avec ou sans Bécaud

    Et maintenant ils pleurent
    Je veux dire tous les deux
    Tout à l'heure c'était lui
    Lorsque je disais il
    Tout encastrés qu'ils sont
    Ils n'entendent plus rien
    Que les sanglots de l'autre
    Et puis infiniment
    Comme deux corps qui prient
    Infiniment lentement ces deux corps
    Se séparent et en se séparant
    Ces deux corps se déchirent
    Et je vous jure qu'ils crient
    Et puis ils se reprennent
    Redeviennent un seul
    Redeviennent le feu
    Et puis se redéchirent
    Se tiennent par les yeux
    Et puis en reculant
    Comme la mer se retire
    Ils consomment l'adieu
    Ils bavent quelques mots
    Agitent une vague main
    Et brusquement ils fuient
    Fuient sans se retourner
    Et puis il disparaît
    Bouffé par l'escalier

    La vie ne fait pas de cadeau!
    Et nom de dieu!
    C'est triste Orly le dimanche
    Avec ou sans Bécaud

    Et puis il disparaît
    Bouffé par l'escalier
    Et elle elle reste là
    Cœur en croix bouche ouverte
    Sans un cri sans un mot
    Elle connaît sa mort
    Elle vient de la croiser
    Voilà qu'elle se retourne
    Et se retourne encore
    Ses bras vont jusqu'a terre
    Ça y est elle a mille ans
    La porte est refermée
    La voilà sans lumière
    Elle tourne sur elle-même
    Et déjà elle sait
    Qu'elle tournera toujours
    Elle a perdu des hommes
    Mais là elle perd l'amour
    L'amour le lui a dit
    Revoilà l'inutile
    Elle vivra ses projets
    Qui ne feront qu'attendre
    La revoilà fragile
    Avant que d'être à vendre
    Je suis là je le suis
    Je n'ose rien pour elle
    Que la foule grignote
    Comme un quelconque fruit


    [Jacques Brel]

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  • Para rir

    Fátima Felgueiras diz que não fugiu da justiça portuguesa...

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  • quinta-feira, abril 29, 2004

    Uma sugestão do blog Substrato

    «Foi assim que entrei no jogo. Nada de uma procura do eu mais profundo, daquele mais escondido nos abismos da nossa consciência, tão do agrado de certos escafandristas das nossas almas. Apenas uma concentração na lembrança mais oculta, aquela que nos tornou felizes no passado e que gostaríamos que fosse a nossa vida futura, supondo que existe: tão-só isso, nada mais.»

    in Está a fazer-se cada vez mais tarde. (Pág. 31)
    Antonio Tabuccchi

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  • O que é a negligência

    Enquanto fazia zapping pelo lixo da tv cabo, deparei-me com uma situação incrível e que me sensibilizou muito. Mas que tem algo de irónico. Uma mulher acusa um hospital de Lisboa de negligência médica por causa da morte do filho, uma criança indefesa de dois anos. O caso explica-se em duas penadas: o miúdo morreu asfixiado com um caroço de azeitona entalado na garganta. O INEM demorou meia hora a chegar à residência onde ocorreu o acidente e os médicos, no hospital, foram lentos, de acordo com o relato da senhora, a fazer os primeiros socorros à criança. Sendo assim, houve negligência médica. Agora pergunto, também não terá havido negligência maternal? É um descuido atroz, uma falta de racionalidade evidente, dar (sim, porque ela deu, o miúdo não tirou nada) uma azeitona a uma criança de dois anos, ainda sem a dentição constituída, sem a garganta completamente desenvolvida e capaz de dar vazão a um simples caroço de azeitona. Aquela mãe foi negligente. Não tenho dúvidas. Mas haverá punição para isso?

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  • quarta-feira, abril 28, 2004

    Denúncia

    É preocupante, mas em Vila Nova de Gaia, a poucos quilómetros da cidade do Porto, um segurança de uma empresa privada tem de passar as noites ao frio, desprotegido, sem nada para se defender, de pé, de preferência em silêncio e a rezar para que nada lhe aconteça. Um caso lamentável e que a inspecção geral de trabalho devia tomar medidas óbvias para terminar com uma situação que nem sei se é ilegal mas que raia a desumanidade. Ainda para mais quando os assaltos se multiplicam nas gasolineiras e em locais onde os funcionários estão protegidos, em guaridas, com grades e modernos sistemas de alarme. Não é o caso deste posto de abastecimento. «Um colega meu meteu-se dentro do carro e foi despedido», disse-me o sujeito, garantindo-me que nas noites de Inverno, de muito frio, chega a chorar pelo incómodo de ter os ossos a regelar e a preocupação de poder ser assaltado sempre que pára um carro suspeito para abastecer. O local também é ermo, desprotegido, sem habituações por perto o que aumenta o risco de agressão ou de assalto àquela pobre criatura, que não tem uma guarida para garantir a mínima protecção e de distanciamento em relação aos clientes. E ainda nos queixamos que as condições no escritório, dentro do conforto de quatro paredes, são péssimas...

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  • No seu melhor…

    A Temporada Gulbenkian de Música e Dança 2003-2004 apresentou no passado dia 22 (repetido no dia 24), um concerto de excelência, com o programa:

    Coro Gulbelkian
    Orquestra Gulbelkian
    Lawrence Foster : Maestro


    Don Giovanni, K. 527
    Wolfgand Amadeus Mozart
    [versão de concerto]

    Cantores líricos:
    Kwangchul Youn > Barítono (Don Giovanni)
    Reinhard Hagen > Baixo (Commendatore)
    Mlada Hudoley > Soprano (Donna Anna)
    Bruce Sledge > Tenor (Don Ottavio)
    Heidi Brunner > Soprano (Donna Elvira)
    Gilles Cachemaille > Baixo (Leporello)
    Luís Rodrigues > Barítono (Masetto)
    Lucy Shaufer > Meio-Soprano (Zerlina)

    William Hobbs > Cravo


    Também ontem e integrado no Ciclo Grandes Orquestras Mundiais, no Coliseu dos Recreios – cheio que nem ovo – pude assistir ao concerto;

    Orquestra do Festival de Budapeste
    Ivan Fischer: Maestro


    Franz Schubert
    Sinfonia Nº 4, em Dó menor, D.417, Trágica

    Gustav Mahler
    Sinfonia Nº 9, em Ré Maior

    Se o primeiro foi de excelência, o segundo foi de inteiro êxtase.
    Ambos, concertos de regalar a alma.

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  • Sempre...

    Tocando em frente

    Ando devagar
    porque já tive pressa
    E levo esse sorriso
    porque já chorei demais
    Hoje me sinto mais forte,
    Mais feliz, quem sabe,
    Eu só levo a certeza
    De que muito pouco sei,
    Ou nada sei
    Conhecer as manhas
    e as manhãs
    O sabor das massas
    e das maçãs
    É preciso amor
    Pra poder pulsar
    É preciso paz prá poder sorrir
    É preciso a chuva para florir
    Penso que cumprir a vida
    seja simplesmente
    Compreender a marcha
    e ir tocando em frente
    Como um velho boiadeiro
    levando a boiada
    Eu vou tocando os dias
    pela longa estrada, eu vou
    Estrada eu sou
    Todo mundo ama um dia,
    todo mundo chora
    Um dia a gente chega
    e no outro vai embora
    Cada um de nós compõe
    A sua história
    E cada ser em si
    Carrega o dom de ser capaz
    De ser feliz


    [Almir Sater & Renato Teixeira]

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  • terça-feira, abril 27, 2004

    Os que as escolas deviam ensinar

    É vulgar dizer-se que o ensino português precisa de uma grande remodelação e devia respirar modernismo em função dos tempos que correm. É normal falar-se na já desgastante disciplina de educação sexual ou, então, em cadeiras que permitam ao aluno um contacto maior com o mundo virtual e para que fique a saber que o computador e a Internet podem ser duas poderosas ferramentas de trabalho. Também é da praxe dizer-se que os alunos não gostam de matemática e seria importante encontrar novas técnicas de ensino para cativar os mais jovens na difícil ciência dos números. Mas há algo de muito importante que as escolas deviam ensinar e nunca ensinam. É uma das maiores lacunas do ensino em Portugal: preparar os jovens para o mercado de trabalho. Ou seja, as disciplinas deviam ter mais conteúdo prático e menos carga teórica. Deviam ser mais fiéis à realidade que se esconde no nosso dia-a-dia. Já passei por isso. Os jovens que terminam a faculdade também passam por isso. Saem fresquinhos das universidades, cientes que o canudo que trazem na mão é o suficiente para liderar o mundo, mas depois quando deixam os tapetes vermelhos e o mundo cor-de-rosa que é a vida de estudante sentem o impacto da realidade. Não estão preparados. Ninguém está preparado. As âncoras nas universidades deviam ser o «fazer» (é assim que se deve fazer) e nunca o «pensar» (é assim que se deve pensar), porque entre uma coisa e outra há uma grande distância.

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  • Kassák Lajos (Hungria, 1887-1967)

    A MINHA POESIA
    (I)


    Deveria salvar o que se pode salvar
    e eu sento-me somente
    grave
    como um bloco de pedra
    como aquele pássaro gigante
    que na idade ingrata feri e mudo sangrou na sombra dos salgueiros.
    Em silêncio no fundo silêncio da parte ignorada do mundo
    escrevo meus poemas que estão à uma para cá e para lá da literatura
    das leis costumadas
    do êxtase de imbecis.
    Basta de beleza a granel
    dos efeitos herdados.
    A minha poesia não nasce da florescência incoerente dos sonhos
    mas da ordem rigorosa da geometria
    tira a pele do fruto
    traça seu plano
    dispõe no espaço objectos
    limpa as ruínas do passado
    e promete um futuro mais belo.
    Eis a essência da minha poesia
    o conteúdo das minhas palavras
    o sentido que diriam insensato das minhas confissões
    chuva de fogo
    e tilintar de estalactites
    que segundo a lei dos comentários
    vivem lado a lado simultaneamente
    e do mundo povoam
    conhecidos desconhecidos
    domínios.


    Trad.: Ernesto Rodrigues

    "ROSA DO MUNDO"

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  • segunda-feira, abril 26, 2004

    Fóruns

    Quando a troca de opiniões invade a SIC Notícias, quando se chega ao debate puro ou há comentários aos temas da actualidade, qualquer telespectador que se interesse tem curiosidade em aumentar os seus conhecimentos seja qual for o assunto. Até porque se aprende muito com as opiniões dos outros, quando os outros têm bagagem cultural para nos enriquecerem a alma. É gratificante, não há dúvidas. Mas acho que os fóruns de opinião, abertos a todo o auditório, seja na televisão ou na rádio, é uma fórmula que já conheceu melhores dias. Regra geral, as opiniões são sempre de alguém pouco creditado para o fazer, raiam a vulgaridade de uma conversa de café entre alguém que ouviu dizer isto, que se defende daquilo e que ataca sempre alguém sem saber os verdadeiros motivos. Os fóruns que temos resumem-se a opiniões falhadas, ocas, agressivas e cegas. Era importante filtrar os participantes, porque a fórmula está a esgotar-se rapidamente.

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  • domingo, abril 25, 2004

    A minha confissão de Abril

    Não sei o que é Abril na sua essência mais profunda. Sou um dos muitos «putos» deste país que nasceu depois da revolução, desconheço o que foi viver em censura, o que custava o silêncio de palavras amordaças, o que doía a repressão no mínimo comportamento mais ofensivo. Desconheço isso tudo. Confesso. Muitas vezes, dou por mim a pensar o que seria viver longe do sossego da liberdade e perto da vigilância do poder arcaico e carregado de simbolismos, mas não consigo penetrar nesse mundo de mantos negros e de sombras pesadas.

    Mas sei o quanto foi importante a revolução, o que esteve na sua génese (já antes escrevi um post sobre Humberto Delgado, um homem muitas vezes esquecido), o que motivou a saída à rua de vários militares para cercar a fonte de todos os medos. Sempre estive a par do fenómeno. O meu pai sempre me explicou esse doce despertar de consciências, sempre invejei o brilho do olhar dele nas nossas primeiras conversas políticas. Há uma distância entre nós que personifica o fosso entre as gerações do antes e depois de Abril, aquelas que viveram a revolução com o encanto bem típico da juventude e, as outras, que apenas ouvem falar do que foi o pontapé no regime em conversas privadas.

    Por isso, arrisco-me a dizer que o fenómeno de Abril tende a terminar. Trinta anos depois do grande abanão do país, ainda há memórias de gente viva, mas quando essa gente fechar os olhos a carga simbólica dos cravos vermelhos chegará ao fim. O 25 de Abril será mais um feriado como o 5 de Outubro, um dia de descanso que dá jeito, especialmente quando calha à sexta-feira e serve de motivo para um bom fim-de-semana prolongado e longe de casa. As músicas de intervenção, os versos furiosos e bem laborados para escapar à censura perderão aquele encanto açucarado de ser fúria e serenidade no mesmo instante. Ninguém saberá o que significam, o que transmitem e o que personificam. Só quem viveu aquele agitado despertar pode descodificar e sentir todas as melodias e destrinçar a sucessão das imagens a preto e branco que nos assaltam na televisão.

    Depois da meia-noite estava na rua, o fogo de artifício cruzou os céus, deu cor e vida ao escuro, um grito soltou-se e, de repente, o silêncio personificou tudo à medida que observava a multidão: só os mais velhos, aqueles que têm a idade dos meus pais, ou os outros ainda, provavelmente com idade para serem meus avós, erguiam cravos vermelhos como bandeira de uma liberdade que despertou ao sabor da revolução. Isso personifica aquilo que penso. O fenómeno na sua essência tende a acabar, infelizmente. Mas o 25 de Abril será sempre nosso. Meu e vosso.

    PS. Este texto não é um exercício pessimista sobre o 25 de Abril, é uma mera opinião realista de um jovem de 26 anos. Os leitores, como sempre, podem comentar na caixa abaixo. São sempre bem-vindos.

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  • 25 de Abril numa palavra

    Definir o 25 de Abril numa palavra. Podia falar em liberdade, mas é chover no molhado. Podia até utilizar uma expressão e dizer «25 de Abril sempre», mas era optar pela falta de originalidade. A música do grande Zeca Afonso, o «Grândola Vila Morena», o hino legítimo da revolução dos cravos, tem uma palavra que deve ser a nossa bandeira, ainda para mais quando o mundo vive tempos agitados e cercado pelo terrorismo. «Fraternidade». O 25 de Abril deve ser «fraternidade». Sempre «fraternidade».

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  • A-B-R-I-L-V-I-N-T-E-C-I-N-C-O


    Sobrevivemos à guerra – sobrevivemos à paz:

    volta e meia acreditávamos que os períodos passados
    nunca mais se repetiriam
    e de facto, nunca se repetiam
    (mas seguiam-se um após o outro),
    a infância se foi para sempre,
    não quis voltar a juventude perdida
    e ninguém prestou contas
    do nosso tempo desperdiçado.

    Faltava-nos fé
    e por isso acreditávamos em qualquer coisa
    em qualquer luta falsa,
    mas não em luta solitária, porque cada um de nós
    que a arriscou
    teve de lutar contra sombras de ferro,
    contra o algodão de ferro que o cercava,
    impedia de respirar, expunha ao ridículo;
    era cada vez mais difícil se mover,
    o algodão das verdades mentirosas tapava nossos ouvidos,
    até as pequenas esperanças tornavam-se difíceis
    de se concretizar
    e quanto mais depressa podíamos vencer grandes distâncias,
    tanto mais tempo era preciso para o entendimento mútuo,
    quanto mais longe nos aventurávamos no futuro,
    tanto mais se alongava a distância de coração a coração,
    quanto mais sabíamos da vida dos outros,
    vivos, mortos e a nascer,
    tanto menos conhecíamos a nós próprios;
    meios de espasmo de massa
    nos acostumavam sem dor às tragédias do mundo contemporâneo,
    ainda éramos capazes de cuidar
    das nossas flores e animais domésticos,
    mas temíamos até pensar que os pequenos países
    são polígonos de experiência das grandes potências;
    votávamos – em silêncio,
    só manifestávamos nossa presença
    quando nossos amadores ganhavam dos profissionais,
    e então os arranha-céus tremiam com o grito:
    transformavam-se em altíssimas barricadas,
    que ninguém atacava,
    pois há muito tinham sido conquistadas.
    […]


    Ryszard Krynicki (Polaco, n. 1943)

    Tradução: Henry Siewiesrki

    “ROSA DO MUNDO – 2001 POEMAS PARA O FUTURO"

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  • sábado, abril 24, 2004

    Uns e outros

    Valentim Loureiro é acusado de 23 crimes de âmbito desportivo, deixará de ser presidente da Liga e da Metro do Porto SA, terá de pagar uma caução de 250 mil euros, mas fica a sensação de que só foi destapada a ponta do véu. O tráfico de influências, as ajudas e os compadrios não se resumem a dois ou três senhores do futebol e a um grupo de árbitros. Há mais gigantes, claro que há. Mas será que esses são intocáveis?

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  • sexta-feira, abril 23, 2004

    E esta, hein?

    Os detidos de uma prisão brasileira fizeram um motim. Entre muitas exigências, uma delas dá para rir. Querem condições para poderem fazer banhos de sol. E esta, hein?

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  • Pensamento

    Ser Fácil

    Aquele que tem uma natureza fácil coopera com todos.
    Ele é amado por todos.
    Sua mente nunca tem pensamentos inúteis.
    Seu intelecto permanece amplo, com um longo alcance.
    Por isso nenhum obstáculo consegue confrontá-lo.
    Quanto mais fácil, mais livre de negatividade.
    Quanto mais fácil, mais limpo.
    Limpeza atrai todos em direcção a ela.
    Limpeza é honestidade.


    [Brahma Kumaris]

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  • Opiniões

    Quando os temas da actualidade são fortes, como esta operação «Apito Dourado», cai-se na tentação de ouvir opiniões dos diversos quadrantes da sociedade portuguesa. O problema é que nem todas as opiniões são realmente boas, ou seja, nem todas as opiniões são instrutivas e têm sumo. Por isso, grande parte das considerações sobre este tema esbarram, de uma forma geral, no senso comum. Fala-se muito e diz-se muito pouco. O que é uma pena. Parece que tudo o que se diz e tudo o que se escreve serve, unicamente, para preencher vazios de páginas de jornal e tempos mortos na televisão. Está-se a cair no exagero.

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  • quarta-feira, abril 21, 2004

    Devaneios

    Muitas vezes perco-me de mim num movimento que vem de longe, entra por cima, prende-me por baixo, passa-me a mão pelo corpo e toma conta de tudo o que me resta. Há alturas que não sei o que pode estar a acontecer, mas viajo no tempo como se entrasse numa máquina especial e feita por alguém que desconheço. Olho para trás num simples instante. Fecho os olhos. Abro-os novamente. As vezes que forem necessárias. Há algo que me assalta o espírito, não sei o que pode ser, algo que me reduz a uma pequena insignificância dentro do próprio mundo e que me arrasta numa corrente de vidas passadas. Como se tivesse vivido algo que não vivi, como se tivesse saudades de um tempo que não me pertenceu por direito próprio. A minha dúvida é mesmo essa. Como poderei ter saudades de algo que não vivi? Mas é verdade. E sinto os olhos dos outros, o abanar das mãos, conheço a cor dos tecidos, sei como foram feitos os torneados das mobílias. Isso arrasta-me para o tempo em que as estradas estavam vazias de automóveis, não se via ninguém nas ruas, uma música vinda de longe enchia-nos a alma de cores, ouvia-se um grito ao longe e as conversas eram feitas em voz baixa. Não sei quem sou, o que me pode estar a acontecer. Mas sinto uma nostalgia profunda e quase longínqua de tudo o que não conheci pessoalmente, mas que vive em mim, está guardado cá dentro, é uma espécie de lembrança arcaica de um tempo e de uma cidade que me fugiram, que desconheço, mas que me dizem muito. Um lugar. Quantas vezes dizemos que conhecemos isto e aquilo, que já estivemos ali. Isso acontece-me quando vou para um sítio que nunca estive antes. Desgasta-me. Emociona-me. Prende-me. Arrasta-me. Respiro fundo. Sinto que o espaço é muito pequeno, pequeno para mim, pequeno para o que sinto cá dentro, que é mais forte de que eu, uma espécie de força natural que desenha ondas no mar e empurra o próprio vento. Uma força. Infinita. Mas amanhã tudo será diferente.

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  • Um grão de areia

    A operação «Apito Dourado» só está a fazer feridas no pouco mediático futebol da 2.ª Divisão B - os alegados casos de corrupção baseiam-se em irregularidades nos jogos do Gondomar, que luta desesperadamente pela subida à Liga de Honra - quando todos nós suspeitamos que há perigosos jogos de interesse no principal escalão do futebol português. Jantares com determinados fins, telefonemas entre dirigentes e a conhecida sedução aos árbitros, provavelmente uma das profissões mais velhas do mundo. Não é preciso escrever uma tese de doutoramento para se chegar a esta conclusão sobre o assunto. Quanto mais dinheiro houver, quanto maior for o grau da competitividade entre clubes, quanto maior é bolo que está em jogo, porque uma simples vitória pode decidir um campeonato, a tentação de corromper torna-se gigantesca. Ou seja, a futebolzinho da 2.ª Divisão B, no fundo a terceira divisão, é um grão de areia à beira das praias cintilantes que devem ser a 1.ª Divisão. Refiro-me à lógica, obviamente. Por isso, já que se pegou na manta, era bom ver fio por fio para se descobrir toda a verdade. Ou será que a polícia segue um raciocínio diferente do meu?

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  • O povo

    Alguns populares resistem à chuva e assentam arraiais à porta do Tribunal de Gondomar, onde prestam solidariedade e oferecem o seu apoio incondicional a Valentim Loureiro. Ouvem-se gritos de protesto e cânticos de incentivo. Todos reafirmam a honestidade do presidente da Câmara e da Liga de Clubes. «Um homem que fez muito por Gondomar está a ser vítima de uma cabala», diz-se enquanto se resiste ao vento que pretende levar o guarda-chuva para bem longe. Às vezes, a cegueira produz efeitos assim. O povo é que enobreceu a mítica e genial frase «Onde há fumo, há fogo» mas, por vezes, vira a cara à fogueira que arde mesmo em frente dos seus próprios olhos. Há fenómenos que nem a razão explica.

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  • Emília Casas (Brasil)

    Missa profana

    Nesta hora santa,
    orai em meu altar de linho.
    Dominus vobiscum!
    Meu senhor está em mim.
    Bendita sou entre as mulheres!
    Alisai-me com carinho,
    Curvai-vos,
    Beijai meu ventre
    E entre orações
    E cantos
    Explorai meus encantos.
    Abri minha alma-missal:
    Sou a boa-nova
    Que se renova a cada leitura
    Em mim, profana escritura.
    Tomai meu seio:
    É o vosso pão,
    Pão da vida
    Retorcida de prazer.
    Comei-o com sofreguidão.
    Levai meu cálice à boca,
    Bebei do vinho que escorre.
    Quem bebe deste vinho
    Só morre de amor.
    Vinde a mim,
    Vosso reino,
    Sou ofertório inteiro.
    Comungai...comungai meu prazer
    Amai-me
    - Amém.

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  • Tu vais conseguir!!!

    Esta frase é para ti. Sim, para ti...

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  • terça-feira, abril 20, 2004

    Um receio

    A investigação da Polícia Judiciária em torno do tráfico de influências no mundo do futebol e a consequente detenção de algumas das mais proeminentes figuras do meio levam-me a ter algum receio sobre a resolução do caso. Que este processo não termine sob o carimbo das «causas naturais» tal e qual como foi selada a queda da ponte em Entre-os-Rios ou como parece estar a acontecer com o processo Casa Pia, que esmorece no que diz respeito à sua resolução mais imediata. Será que a pedofilia também é uma causa natural?

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  • Abril

    Não sei o que é isso, mas cheira a Abril, não cheira?

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  • de ZP

    «Je suis si près de toi que j’ai froid au pied des autres.»

    [Paul Éluard]

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  • Coragem

    Investigar não é um acto corajoso, mas a coragem é deter alguns dos senhores mais poderosos do futebol português. A «Operação Apito Dourado» é a consequência mais directa de um processo que começou com a Casa Pia e não se sabe quando irá terminar e quem mais irá absorver. Tudo se resume a uma ideia extremamente simples: terminaram os intocáveis da sociedade portuguesa. Os mitos nasceram para serem derrubados.

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  • Dor sem nome

    É cegueira?
    É lucidez?
    É estupidez?
    Dor sem nome…
    Dou conta de ti!
    Verás…!!!

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  • segunda-feira, abril 19, 2004

    Eugénia Tabosa (Portugal - 1931)

    Esse olhar

    Esse olhar parado
    sem hoje nem passado
    Esse olhar sem espera
    como canto preso
    em boca entreaberta
    Esse olhar cansado
    desfeito
    sem jeito
    não grita
    não chora
    Esse olhar desarmado
    como barco sem leme
    Existe
    Não posso ignorá-lo!

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  • domingo, abril 18, 2004

    Diana Bellessi (Argentina - 1946)

    Não me mandes para o canto

    Quando digo a palavra
    nuca
    chupo-te suavemente
    até afundar
    o dente aqui?

    Acaso estou te tocando?

    Quando digo bico do peito
    a mão roça
    as dilatadas rosas dos peitos teus?

    Toco-te acaso?

    Toca, língua, acaso o canto
    de meus lábios e aprisiona
    na vasta cavidade do corpo
    que deseja ser tocado e cingido
    por tua língua quando nomeia
    por minha boca a palavra língua, acaso?

    Não me mandes para o canto

    Não faças de mim a testemunha
    que se olha te tocando com palavras
    É a mão nomeada
    não o nome
    que deseja aprisionar tuas nádegas

    – Fala-me
    – Como será?
    – O quê?
    – Tua voz

    Fogo oculto na madeira
    do fogo que se expande?

    É assim que será?
    O corpo de tua voz
    no instante em que
    não me mandes para o canto

    Flui mel das romãs

    Não quero
    tocar um fantasma
    nem quero
    a fantasia cortês
    do trovador à sua dama
    É a você, minha amada
    áspero corpo da amiga que desejo

    Gesto
    de mútua apropriação

    instante
    onde não se sabe
    os limites do tu, do eu

    O nome e o nomeado
    em tersa conjunção que sabe
    não durará

    e sabe

    é mais eterno
    que o gume de um diamante

    Alegre
    relâmpago de garra
    e de mordedura
    animal
    o mais belo de todos
    o instinto
    impera aqui

    Sua voz não tem tradução

    Verbal moeda de intercâmbio
    não
    Só o audaz abraço, minha amiga,
    responde aqui



    (Traducão de Santiago Kovadloff)
    "A palavra nômade, Editora Iluminuras, 1990 - S.Paulo, Brasil"

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  • sábado, abril 17, 2004

    Alfonsina Storni (Argentina/Suiça 1892-1938)

    Diante do mar

    Oh, mar, enorme mar, coração feroz
    de ritmo desigual, coração mau,
    eu sou mais tenra que esse pobre pau
    que, prisioneiro, apodrece nas tuas vagas.

    Oh, mar, dá-me a tua cólera tremenda,
    eu passei a vida a perdoar,
    porque entendia, mar, eu me fui dando:
    "Piedade, piedade para o que mais ofenda".

    Vulgaridade, vulgaridade que me acossa.
    Ah, compraram-me a cidade e o homem.
    Faz-me ter a tua cólera sem nome:
    já me cansa esta missão de rosa.

    Vês o vulgar? Esse vulgar faz-me pena,
    falta-me o ar e onde falta fico.
    Quem me dera não compreender, mas não posso:
    é a vulgaridade que me envenena.

    Empobreci porque entender aflige,
    empobreci porque entender sufoca,
    abençoada seja a força da rocha!
    Eu tenho o coração como a espuma.

    Mar, eu sonhava ser como tu és,
    além nas tardes em que a minha vida
    sob as horas cálidas se abria...
    Ah, eu sonhava ser como tu és.

    Olha para mim, aqui, pequena, miserável,
    com toda a dor que me vence, com o sonho todos;
    mar, dá-me, dá-me o inefável empenho
    de tornar-me soberba, inacessível.

    Dá-me o teu sal, o teu iodo, a tua ferocidade,
    Ar do mar!... Oh, tempestade! Oh, enfado!
    Pobre de mim, sou um recife
    E morro, mar, sucumbo na minha pobreza.

    E a minha alma é como o mar, é isso,
    ah, a cidade apodrece-a engana-a;
    pequena vida que dor provoca,
    quem me dera libertar-me do seu peso!

    Que voe o meu empenho, que voe a minha esperança...
    A minha vida deve ter sido horrível,
    deve ter sido uma artéria incontível
    e é apenas cicatriz que sempre dói.



    (Tradução de José Agostinho Baptista)

    "O mar na poesia da América Latina, Ed. Assírio & Alvim, 1999 - Lisboa, Portugal"

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  • sexta-feira, abril 16, 2004

    Ana Hatherly (Portugal - 1929)

    Quando a lua vier tocar-me
    o rosto


    Esta noite morrerás.
    Quando a lua vier tocar-me o rosto
    terás partido do meu leito
    e aquele que procurar a marca dos teus passos
    encontra urtigas crescendo
    por sobre o teu nome.
    Esta noite morrerás.
    Quando a lua vier tocar-me o rosto
    terás partido do meu leito
    e uma gota de sangue ressequido
    é a marca dos teus passos.
    No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio
    e na casa do tempo a hora é adorno.
    Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta marca o fim de
    um eclipse horário de uma partida iminente e o tempo apaga
    a marca dos teus passos por sobre o meu nome.
    Constante.
    O mar é isso.
    A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas crescendo por sobre o teu nome.
    O mar é tu morreste.
    O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu partiste e no meu leite crescem folhas sangue.
    A velocidade do sangue é tu partiste.
    A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua e a opacidade do mar.
    No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um prisma, um girassol em panóplia.
    Agora a lua chega devagar e o mar é leito de tu teres partido, uma infrutescência de eu procurar a marca dos teus passos por sobre o meu rosto.
    A noite é eu procurar a marca dos teus passos.
    Esta noite a lua terá um halo de concêntricas florações de gotas do teu sangue
    e a irisada sombra do meu leito é o teu rosto iminente.
    A lua é uma seta.
    Tu partiste é o silêncio em forma de lança.
    Esta noite vou erguer-me do meu leito e quando a lua vier tocar-me o rosto
    vou uivar como um lobo.
    Vou clamar pelo teu sangue extinto.
    Vou desejar a tua carne viva, os teus membros esparsos, a tua língua solta.
    O teu ventre, lua.
    Vou gritar e enterrar as unhas nos teus olhos até que o mar se abra e a lua
    possa vir tocar-me o rosto.
    Esta noite vou arrancar um cabelo e com a tua ausência faço um pêndulo para
    interrogar a lua por tu teres partido e a marca dos teus passos ser a razão mágica de a lua poder surgir de noite e urtigas crescerem no meu leito.
    E se encontrar a marca dos teus passos vou crivar-lhe o coração de alfinetes
    para que tu partiste seja a razão mágica de tu poderes morrer-te.
    Quando a lua vier em forma de lança vai trespassar um pássaro para lhe ler nas
    entranhas a direcção tu partiste e a marca dos teus passos consiste nos olhos
    abertos de um pássaro esventrado.
    Ah, mas o luar é uma pluma do meu leito e a lua é o colo de tu morreste para
    poderes enfim tocar-me o rosto.

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  • quarta-feira, abril 14, 2004

    Paixão de Cristo (novamente)

    Acabei de resistir ao polémico filme a «Paixão de Cristo» e aconselho vivamente a obra de Mel Gibson como puro objecto de reflexão humana. Aquela caminhada de sofrimento pode estar envolvida em alguns retalhos de exagero, é facto, mas ao ver a película, ao observar cada cena, ao desmontar o puzzle, vi que tudo aquilo é a mais fiel representação do mundo em que vivemos, repleto de valores ocos como a mentira, o vazio, o ódio, a loucura, a traição, o sofrimento, a dor, a ira, a falsidade, a malvadez, a insensibilidade, a tortura, a injustiça, a irracionalidade, a cobardia, a crueldade, o desdém, a cegueira, a imprudência e a farsa.

    Podia estar aqui a debitar mais palavras, mas fico-me por estas. São duas horas que encaixam perfeitamente em determinados episódios da nossa sociedade, muitas vezes cercada por conceitos desprezíveis. Jesus Cristo foi vítima da mentira, da traição e, por consequência, denunciado, chicoteado, julgado e crucificado. Dei por mim a pensar o quanto somos injustos. Pensamos que sofremos muito por causa de uma simples dor de dentes ou que a vida é uma caixinha de surpresas que só nos oferece amarguras ao dobrar de cada esquina. Somos injustos. Ao ver as imagens, ao analisar cada cena, ao meditar para mim mesmo, acho que nenhum homem sofreu tanto como Ele. Com a particularidade de Ele ter sofrido por todos nós.

    Mas o que me toca? Tudo, essencialmente tudo, mas o final é uma lição para qualquer ser humano. Jesus sofre aquilo que nenhum ser humano sofreu, é vencido pela própria morte, mas depois ressuscita, sem chagas, sem feridas, com o corpo limpo de sangue, uma pele sedosa e um brilho ímpar no seu próprio olhar. Vejo aquilo e penso. Penso que depois de um momento de grande dor, o que vem a seguir é a felicidade. A nossa vida é assim. Quando pensamos que estamos no buraco negro, logo a seguir caminhamos num prado verdejante. Depois de algo muito mau, o que vem imediatamente a seguir é sempre muito bom. Há sempre uma recompensa para tudo. É como nascer de novo.

    Esta é a lição que retiro da «Paixão de Cristo».

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  • (re)...

    (re)pensando…
    (re)estudando…
    (re)analisando…
    (re)inventando…
    (re)criando)…
    (re)ajustando…
    (re)estruturando…
    (re)forçando…
    (re)começando…
    (re)caminhando…
    determinando,
    ressurjo.

    Maria Oliveira

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  • terça-feira, abril 13, 2004

    Um caso perdido

    Há muito que se adivinhava: o Iraque transformou-se num barril de pólvora seca, que rebenta a qualquer minuto que passa independentemente de quem o toca. Os americanos voltaram a pagar bem caro o erro, porque democratizar um país não é chegar lá, prender uma série de gajos, capturar o líder e oferecer a liberdade às pessoas. Erro crasso. E como a história se repete, vezes e vezes sem conta, o conflito tem alguns traços em comum com a sangrenta guerra do Vietname, onde o poder norte-americano sofreu uma das suas maiores humilhações de sempre.

    Como se não bastasse, as forças armadas de Bush continuam a fazer vingar os mesmos erros e a gastar as mesmas palavras. Exemplo: sobre Muqtada Sadr, líder xiita que espalha o caos e o terror em Bagdad, a profecia vale tudo: «Queremos apanhá-lo vivo ao morto». Foi precisamente a mesma sentença que Bush traçou para Bin Laden, como se a lei do mais forte vingasse ao sabor de uns tiros no tempo dos cowboys e das pradarias americanas. Os homens, neste caso, o homem-transformado-em-presidente jamais mais irá aprender com os seus próprios erros. É um caso perdido.

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  • segunda-feira, abril 12, 2004

    Afinal, de quem é a culpa?

    Em qualquer fórum ou em qualquer conversa privada de café, critica-se de forma desgarrada a falta de profissionalismo dos funcionários públicos. Ou porque são lentos e desinteressados ou, então, porque são pura e simplesmente antipáticos. Passei a manhã numa repartição de finanças e constatei uma série de factos irrefutáveis. Grosso modo, os funcionários não são tão broncos como se pinta, os contribuintes é que não têm maneiras. E complicam o que é fácil. Verdade seja dita.

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  • domingo, abril 11, 2004

    Balanço

    Segundo os dados estatísticos disponíveis, houve menos acidentes nesta época da Páscoa do que no ano passado (906 contra 946). Mas a notícia não é nada boa, bem pelo contrário. Menos acidentes não significou menos mortes e menos feridos graves. Treze mortos, 32 feridos graves e 327 feridos ligeiros são números superiores aos do ano passado (11, 30, 332). A única excepção são os feridos ligeiros. Os três dias da operação Páscoa dão que pensar e servem, mais uma vez, de aviso para todos os condutores. Continuamos a ser o terror das estradas.

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  • Não...

    Não, eu não fui um dos três vencedores do totoloto. Há que riscar mais cruzes (e fazer mais cruzes) na próxima semana.

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  • sábado, abril 10, 2004

    Crónica de Espanha

    Quase um mês depois da tragédia que sublinhou a cidade de Madrid a vermelho, Espanha vive em estado de alerta no rescaldo da acção mais sangrenta dos últimos anos. O atentado terrorista deixou as suas marcas, amedrontou o povo, varreu para longe o clima de paz e fez desplotar a desconfiança em cada olhar. Liga-se a televisão e os boletins informativos são o reflexo da tensão existente. Fotografias de possíveis suspeitos rasgam o ecrã, resultados de investigações policiais prendem o olhar, informações sobre os possíveis implicados preenchem os cenários mais pessimistas. A abertura dos telejornais não foge disto.

    O 11 de Março ou o «11M», como se diz em Espanha, é uma ferida que ainda não estancou. O sangue que derrama no olhar de cada um não passa despercebido a ninguém. As ruas também são o efeito mais imediato do terror da capital, onde as forças de segurança estão atentas a todas as concentrações de massas e tentam filtrar alvos suspeitos. Carros à porta de recintos públicos, em dias de enchentes, são inspeccionados, pessoas identificadas, enfim, o drama da ETA é agora bem mais abrangente, um fenómeno lacto, com contornos muito exagerados. Surpreendeu-me. O fenómeno surpreendeu-me e chateia-me que os verdadeiros implicados dificilmente serão encontrados. É a sina do terrorismo pós-moderno.

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  • sexta-feira, abril 09, 2004

    Aviso à navegação

    Registar o totoloto porque o prémio é a módica quantia de sete milhões de euros.

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  • De regresso...

    Afinal continua tudo no sítio. O computador, a mesa e a cadeira. Nada mudou.

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  • Citação

    «Errar é humano, mas quando a borracha
    se gasta mais do que o lápis,
    você está positivamente exagerando.»

    [J. Tenkis]

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  • quarta-feira, abril 07, 2004

    Adeus

    «É um adeus…
    Não vale a pena sofismar a hora!
    É tarde nos meus olhos e nos teus…
    Agora,
    O remédio é partir discretamente,
    Sem palavras,
    Sem lágrimas,
    Sem gestos.
    De que servem lamentos e protestos
    Contra o destino?
    Cego assassino
    A que nenhum poder
    Limita a crueldade,
    Só o pode vencer a humanidade
    Da nossa lucidez desencantada.
    Antes da iniquidade
    Consumada,
    Um poema de líquido pudor,
    Um sorriso de amor,
    E mais nada.»


    [Miguel Torga]

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  • terça-feira, abril 06, 2004

    Espaço de poesia

    Pudesse eu morrer hoje como tu me morreste nessa noite –
    e deitar-me na terra; e ter uma cama de pedra branca e
    um cobertor de estrelas; e não ouvir senão o rumor das ervas
    que despontam de noite, e os passos diminutos dos insectos,
    e o canto do vento nos ciprestes; e não ter medo das sombras;
    nem das aves negras nos meus braços de mármore,
    nem de te ter perdido – não ter medo de nada. Pudesse

    eu fechar os olhos neste instante e esquecer-me de tudo –
    das tuas mãos tão frias quando estendi as minhas nessa noite;
    de não teres dito a única palavra que me faria salvar-te, mesmo
    deixando que eu perguntasse tudo; de teres insultado a vida
    e chamado pela morte para me mostrares que o teu corpo
    já tinha desistido, que ias matar-te em mim e que era tarde
    para eu pensar em devolver-te os dias que roubara. Pudesse

    eu cair num sono gelado como o teu e deixar de sentir a dor,
    a dor incomparável de te ver acordado em tudo o que escrevi –
    porque foi pelo poema que me amaste, o poema foi sempre
    o que valeu a pena (o mais eram os gestos que não cabiam
    nas mãos, os morangos a que o verão obrigou); e pudesse

    eu deixar de escrever nesta manhã, o dia treme na linha
    dos telhados, a vida hesita tanto, e pudesse eu morrer,
    mas ouço-te a respirar no meu poema.


    [Maria do Rosário Pedreira, (n. 1959)]

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  • segunda-feira, abril 05, 2004

    O tamanho da Glória

    «Aprendeste na Astronomia que todo o círculo da Terra não é mais do que um ponto comparado com a extensão de todos os céus, sem dimensões perante a grandeza da esfera celestial. Desta pequena parte do Universo só menos de um quarto, como te provou Ptolomeu, foi deixada para a habitação do Homem. É então neste ignoto e obscuro ponto que tu pensas em aumentar a tua reputação e em glorificar o teu nome? Que grandeza ou magnificência pode ter a Glória, alcançada em tão estreitos e curtos limites?»

    Boetius (c. 480-524), in “A Consolação da Filosofia”

    J.A.S.B.

    …………

    J.A.S.B. é “o meu Poeta”, que já aqui transcrevi anteriormente. Faz agora a sua primeira intervenção directa no Remoinhos.
    Feliz Aniversário, meu Querido Poeta!

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  • domingo, abril 04, 2004

    E...

    ... até ao meu regresso. Quinta-feira já estarei por cá...

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  • Um poema que acabo de ler

    A FLOR DO MARACUJÁ

    Encontrando-me com um sertanejo
    Perto de um pé de maracujá
    Eu lhe perguntei:
    Diga-me caro sertanejo
    Porque razão nasce roxa
    A flor do maracujá?

    Ah, pois então eu lhi conto
    A estória que ouvi contá
    A razão pro que nasci roxa
    A frô do maracujá.

    Maracujá já foi branco
    Eu posso inté lhe ajurá
    Mais branco qui caridadi
    Mais brando do que o luá

    Quando a frô brotava nele
    Lá pros cunfim do sertão
    Maracujá parecia
    Um ninho de argodão.

    Mais um dia, há muito tempo
    Num meis que inté num mi alembro
    Si foi maio, si foi junho
    Si foi janero ou dezembro

    Nosso sinhô Jesus Cristo
    Foi condenado a morrê
    Numa cruis crucificado
    Longe daqui como o quê

    Pregaro cristo a martelo
    E ao vê tamanha crueza
    A natureza inteirinha
    Pois-se a chorá di tristeza

    Chorava us campu
    As foia, as ribera
    Sabiá tamém chorava
    Nos gaio a laranjera

    E havia junto da cruis
    Um pé de maracujá
    Carregadinho de frô
    Aos pé de nosso sinhô.

    I o sangue de Jesus Cristo
    Sangui pisado de dô
    Nus pé du maracujá
    Tingia todas as frô

    Eis aqui seu moço
    A estória que eu vi contá
    A razão proque nasce roxa
    A frô do maracujá.


    [Catulo da Paixão Cearense]

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  • Exaustão

    Não sei se faz
    frio
    se faz
    fome
    não sei se faz
    calor
    se desamor
    o meu corpo
    treme
    a minha voz
    estremece
    o meu olhar
    suspenso
    clama por
    um anjo
    que me
    embale
    e diga
    dorme…
    dorme…
    dorme…

    Maria Oliveira

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  • sábado, abril 03, 2004

    Aquela paisagem...

    Sou um homem apegado a objectos, a espaços, com algumas semelhanças com Bruce Chatwin, um escritor inglês que passou a vida a viajar. Gosto dos objectos e dos espaços, fixo-os como se fossem pessoas. Vivem comigo. Sempre comigo. Ontem tive de fazer uma visita ao dentista que já me acompanha desde os sete anos. Quase 20 anos depois da primeira consulta, o espaço é o mesmo, os sofás, os quadros na parede, o pavimento, o aparelho de ar condicionado, as portas de vidro, as mesas, o computador, o sofá dentro do consultório, a cadeira electrónica onde nos sentamos, os aparelhos, a luz e o móvel branco. O tempo passou, mas tudo continua como antigamente. Só houve uma alteração. Que me deixou pensativo. Quando era criança, o vidro da janela denunciava um conjunto de árvores e de mato cerrado. Uma floresta aparecia à varada como se fosse um quadro colorido. Agora vê-se um amontoado de prédios a tocar no céu. É duro, não é?

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  • sexta-feira, abril 02, 2004

    rimas... rimas... rimas...

    Estou cheia de rimas nos ouvidos. Que saturação. HELP!!!

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  • A gente dá cabo disto...

    A mulher do actual administrador do prédio está adoentada. Ela é uma senhora bonita, sempre bem arranjada, de voz serena e sorriso cordial. Uma das vizinhas com quem gosto de trocar um sorriso.
    Com três sacos de supermercado nas mãos, encontrei-a no hall da escada. Cumprimentei-a, reparei no seu abatimento, e referi-lho.
    Disse-me:
    - Com… este tempo… este vento… este frio…
    Comentei-lhe:
    - É mesmo, dona Isabel, depois de um Inverno… quando se anseia pela Primavera… este tempo feio, não ajuda nada.
    O desabafo foi muito curto. Nenhuma de nós é mulher de lamentos.
    Enquanto subia dentro do elevador, disse para comigo:
    “A gente dá cabo disto… que volta a dar?”

    P.S. E não tinha lido o anterior post do César, quando escrevi este. Acreditem.

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  • Nada é eterno

    Nada é eterno. Tudo tem um princípio, um meio e um fim. A começar pela vida. Nascemos, vivemos o que temos para viver e depois morremos. O aparecimento de água em Marte é um caso que dá para pensar. As duas sondas americanas que estão a vasculhar o planeta vermelho já encontraram água e uma delas detectou algo que já foi um lago salgado. Ou seja, tudo leva a crer que tenha existido vida, mas, agora, o que se vê é um amontoado de areias e de pedras. Algo matou as espécies existentes e bem podiam ter sido as alterações climatéricas ou outro fenómeno qualquer bem mais complexo. Interpreto isso como um aviso. O nosso planeta azul pode deixar de ser azul de um momento para o outro. O risco não tem só a ver com as condições proporcionadas pela própria natureza, mas também - e aqui reside o maior problema - pela acção do próprio Homem. Que Marte sirva de exemplo.

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  • Por Deus...

    Cala-te, ó ventania!
    Não vês que há crianças nuas…
    Velhos tristes pelas ruas…
    Tanto telhado a ruir…
    Gente sem ter que vestir?
    Almas sós a querer sorrir?
    Tanta flor por florir?
    Miséria dura
    Que perdura!...
    Por Deus…
    Cala-te!
    Ó ventania!

    Maria Oliveira

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  • Citação

    «És precária e veloz, felicidade.
    Custas a vir, e quando vens, não te demoras.
    Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo, e
    para te medir, se inventaram as horas.»

    [Cecília Meireles]

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  • quinta-feira, abril 01, 2004

    Dia das mentiras

    Se calhar, já é tarde para publicar este post, mas mais vale tarde do que nunca. Por isso arrisco. Passei um dia ocupado e só agora tenho alguns minutos. Aqui vai: 1 de Abril, o dia das mentiras. Uma das maiores petas da história no dia em que apelamos à imaginação para enganar o próximo aconteceu na Escócia. Uma vez contaram-me este episódio e achei delicioso. Uma estação de rádio local passou a programação de domingo num dia da semana. Os mesmos programas, as músicas típicas de fim-de-semana, a insistência do pivot em dizer «um bom domingo caro ouvinte». As pessoas ficaram confusas. Estariam loucas? Não, afinal era mesmo domingo. Mas não era. Esta é uma das mentiras mais geniais sempre. A propósito, quando chega o domingo?

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  • Madrugada (in)serena

    Não vinha longe a madrugada
    E já tu brincavas com meus sonhos
    Minha alma vestida de menina
    Inebriava-se de teus afagos teus assombros
    Receosa amedrontada te sorria
    Entre espasmos de tensão e confusão
    Teus olhos tuas mãos tuas palavras
    Cada um só exaltava agitação
    E o mundo se calou para nos sentir
    E a febre dos desejos nos rompeu
    O silêncio que inventámos era o céu
    E ali nos quedámos num enleio
    tu e eu.

    Maria Oliveira

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